sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Oração de formação

"A oração  muda situações", diz o povo. Ela também nos muda, e essa segunda meta é a mais imperativa. O  objetivo primário da oração é levar-nos a uma vida de estreita comunhão com o Pai, de modo que, pelo poder do Espírito, sejamos cada vez mais conformados à imagem do Filho. Esse processo transformativo é o único propósito da oração de formação.
Nenhum de nós conseguirá manter uma vida de oração, a menos que esteja preparado para mudar.
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Nesse novo e vivo caminho, o Espírito de Deus nos ensinará todos os dias. Quando começarmos a seguir as orientações do Espírito, começaremos também a ser transformados de dentro para fora.
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Dallas Willard faz menção de três áreas principais em que Deus costuma atuar em nossa contínua transformação - um "triângulo dourado" da formação, se você preferir. A primeira área são as clássicas disciplinas espirituais da vida: solitude, jejum, adoração, celebração e outras. A segunda área é nossa contínua interação com as ações do Espírito de Deus: desobediência, arrependimento, submissão, fé, obediência e muito mais. A terceira área é a paciência que Deus desenvolve em nós por meio das frustrações, provas e tentações do dia a dia. 
Por esse motivo, jamais devemos isolar a oração do restante da devoção cristãs ou exigir dela mais do que é intenção de Deus.
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Deus deseja moldar-nos de maneira progressiva pelo padrão de Cristo: "Aqueles que [Deus] de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho..." (Romanos 8:29). Queremos ver a oração de formação surtindo efeito nessa conformação progressiva.
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Na oração de formação, existe tanto o aspecto ativo quanto o passivo. Pelo aspecto ativo, somos nós que buscamos a Deus... Somos peregrinos numa jornada de fé. Estamos nos exercitando na piedade.
Pelo aspecto passivo, somos procurados por Deus. Permanecemos atentos e sensíveis a ele. Somos o barro nas mãos do Oleiro (Jeremias 18).


Extraído de Foster, Richard. Oração: o refúgio da alma. São Paulo: Editora Vida, 2008, p. 89-92.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Para que serve a oração de investigação?

Ela apresenta dois aspectos básicos, semelhantes aos dois lados de uma porta. O primeiro aspecto é o exame de percepção, pelo qual descobrimos como Deus se faz presente em nossa vida no dia a dia e como reagimos à sua presença amorosa. O segundo aspecto é o exame de consciência, no qual expomos aquelas áreas que precisam ser purificadas e restauradas.
No exame de percepção, refletimos, em atitude de oração, sobre nossos pensamentos, sentimentos e ações, até descobrirmos como Deus está trabalhando em nós e como reagimos à obra divina. 
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O exame de percepção é o meio que Deus usa para nos fazer mais atentos ao que acontece à nossa volta.
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No exame de consciência, somos incentivados pelo Senhor a sondar as profundezas de nosso coração. Longe se ser algo desagradável, isso é um escrutínio de amor (Salmo 139:23-24).
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Sem apresentar desculpas e sem ficar na defensiva, procuramos saber o que há de verdade em nós.
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Deus nos mostrará o que precisamos ver no momento em que precisarmos ver.
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Madame Guyon adverte-nos do perigo de "depender mais de nosso escrutínio do que de Deus para a descoberta e o conhecimento de nosso pecado" (1). Se a inquirição for apenas um autoexame, ao final dela sentiremos ou orgulho em excesso ou demasiada vergonha.
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A oração de investigação produz em nosso íntimo a inestimável graça do autoconhecimento.
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"Conhece-te a ti mesmo" é a famosa frase de Sócrates.
Teresa de Ávila entendia o valor do autoconhecimento. Em sua autobiografia, ela escreveu: "O caminho do autoconhecimento jamais deve ser abandonado, nem existe nessa jornada uma alma gigante, que não precise retornar ao estágio de infante ou de uma criança de peito". 
Devemos retornar muitas e muitas vezes a esse caminho básico da oração.
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Por meio da fé, o autoconhecimento conduz-nos à autoaceitação e ao amor-próprio, cuja vida provém da aceitação e do amor de Deus. 



(1) Experimentando as profundezas de Jesus Cristo através da oração. São paulo: Editora dos Clássicos, 2002, p.51.





Extraído de Foster, Richard. Oração: o refúgio da alma. São Paulo: Editora Vida, 2008, p. 49-55.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

O silêncio purificador

João da Cruz dizia que duas purificações acontecem na noite escura da alma. A primeira despoja-nos da dependência dos resultados exteriores - as "grandes coisas"  não nos impressionam mais. Não somos mais convencidos por referências elogiosas, elas não nos comovem mais. 
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Tornamo-nos também insensíveis às impressionantes obras da devoção religiosa. Práticas litúrgicas, símbolos sacramentais, participação no louvor, exercícios particulares de devoção - tudo vira cinza em nossas mãos. 
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O despojamento da dependência dos resultados exteriores se completa quando temos menos controle sobre o nosso destino e ficamos à mercê dos outros. Isso é o que João da Cruz denomina "noite escura passiva".
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A segunda purificação de João da Cruz envolve a privação dos resultados interiores, mais perturbadora e dolorosa que a primeira, pois ameaça os alicerces de tudo o que cremos e aceitamos. De início, ficamos cada vez mais inseguros com as obras internas do Espírito; refletimos mais profundamente sobre o tipo de Deus em que cremos.
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Somos conduzidos a uma santa e profunda desconfiança de toda atividade superficial e de qualquer esforço humano. Passamos a conhecer como nunca a infinita capacidade que temos de nos iludir. Aos poucos, somos despojados das garantias vãs e das falsas sujeições. Nossa confiança em resultados exteriores e interiores é de tal forma abalada, que aprendemos a ter fé somente em Deus. Por meio da improdutividade de nossa alma, Deus produz separação, humildade, paciência e perseverança.
O mais surpreendente nisso tudo é que nossa sequidão gera em nós o hábito de orar. Todas as distrações vão embora. Até mesmo a comunhão desaparece. Tornamo-nos pessoas concentradas. A alma fica ressecada, sedenta, e essa sede pode nos levar à oração. Digo "pode" porque ela também leva ao desespero ou simplesmente nos faz abandonar a busca.
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Espere em Deus. Espere calado e tranquilo. Mantenha-se vigilante e esteja pronto para responder. Aprenda que a confiança precede a fé.
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"Não entendo o que Deus está fazendo nem quem ele é, mas sei que quer me fazer bem". Isso é confiar. Isso é esperar.
Não entendo completamente os motivos da desolação causada pela ausência de Deus. O que sei é o seguinte: embora seja necessária, a desolação nunca é permanente. No tempo e à maneira de Deus, o deserto se transformará numa terra que manam leite e mel.

Bernardo de Claraval: "Ó meu Deus, abismo chama abismo (Salmo 42:7). O abismo de minha profunda miséria chama o abismo de tua infinita misericórdia". 

 



Extraído de Foster, Richard. Oração: o refúgio da alma. São Paulo: Editora Vida, 2008, p. 42-47.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

A oração simples

Acreditamos que a oração é a única coisa que podemos fazer, e até mesmo é algo que desejamos fazer, mas parece haver um abismo entre nós e a verdadeira oração.
O que nos retém?
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A verdade é que, quando vamos orar, levamos conosco uma miscelânea de motivos - altruístas e egoístas, plenos de compaixão e de rancor, originados em sentimento amoroso e de amargura.
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Deus é grande o bastante para nos aceitar com toda essa mistura.
A graça significa não somente que somos salvos por ela, mas que vivemos por ela. Assim, é também por meio dela que oramos.
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Jamais nossos motivos serão puros o bastante, bons o bastante. Jamais nossos conhecimentos serão suficientes para uma oração correta em todos os aspectos.
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Deus nos aceita como somos e aceita nossa oração tal como ela é feita.
Na oração simples, apresentamo-nos a Deus exatamente como somos, com todos os nossos defeitos.
De maneira simples e despretensiosa, expomos nossas preocupações e apresentamos nossos pedidos.
Num sentido muito real, somos o foco da oração simples.
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De fato, às vezes, a oração simples é chamada de "oração do novo começo".
A oração simples é a forma de orar mais comum na Bíblia.
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Na oração simples, o bom, o mau e o desagradável estão misturados.
A oração simples envolve pessoas com preocupações normais na presença de um Pai amoroso e compassivo.
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A oração simples é a oração do iniciante. É a oração infantil, embora sempre retornemos a ela. Teresa de Ávila observa: "Não há estágio de oração tão sublime que nos isente de retornar ao início muitas vezes". 
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Quem pensa que pode pular a oração simples está menosprezando a si mesmo. O mais provável é que nem esteja orando. Ele discute oração, analisa oração e até mesmo escreve livros sobre oração, mas é bastante improvável que esteja de fato orando.
No entanto, quando oramos, a condição verdadeira de nosso coração é revelada. É assim que deve ser. É quando Deus começa verdadeiramente a trabalhar em nós. A aventura está apenas começando.


O único lugar em que Deus nos pode abençoar é justamente onde estamos, porque é o único lugar onde estamos!


Madame Guyon escreveu: "Esse caminho da oração, esse relacionamento simples contigo, Senhor, que serve para todos, desde o mais ignorante ao mais erudito. Essa oração, essa experiência que começa de maneira tão simples, tem como fim um amor totalmente devotado ao Senhor. Uma única coisa é requerida: o amor"(1). 


(1)  Experimentando as profundezas de Jesus Cristo através da oração. São paulo: Editora dos Clássicos, 2002, p.47.



Extraído de Foster, Richard. Oração: o refúgio da alma. São Paulo: Editora Vida, 2008, p. 25-30,33.



terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Canção Espiritual - Canção I

12. Fazes muito bem, ó alma, em buscar o Amado sempre escondido, porque muito exaltas a Deus, e muito perto dele te chegas, quando o consideras mais elevado e profundo que tudo quanto podes alcançar. 
Por esta razão, não te detenhas, seja em parte, seja no todo, naquilo que tuas potências podem apreender. 
Quero dizer: jamais desejes satisfazer-te nas coisas que entenderes de Deus; antes procura contentar-te no que não compreenderes a respeito dele.
Nunca te detenhas em amar e gozar nessas coisas que entendes ou experimentas, mas, ao contrário, põe teu amor e deleite naquilo que não podes entender ou sentir; porque isso, como dissemos, é buscar a Deus na fé. 
Visto como Deus é inacessível e escondido, conforme também já explicamos, por mais que te pareça achá-lo, senti-lo ou entendê-lo, sempre o hás de considerar escondido, e o hás de servir escondido às escondidas.
E não sejas como tantos incipientes(1) que consideram a Deus de modo mesquinho, pensando estar ele mais longe
ou mais oculto, quando não o entendem, nem o gozam, nem o sentem; mais verdade é o contrário, porque chegam mais perto de Deus quando menos distintamente o percebem.
João da Cruz 

(1)  que inicia, que está no começo; inicial, iniciante, principiante.


Extraído de Obras de São João da Cruz, Petrópolis: Editora Vozes, 1960, vol. II, p.29-30.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Cedo de manhã...

Ó Deus, 
cedo de manhã eu clamo ao Senhor;
Ajude-me a orar e a concentrar meus pensamentos em ti; 
Não posso fazer isto sozinho.
Dentro de mim tem escuridão, mas com o Senhor há luz.
Estou sozinho, mas o Senhor não me abandona.
Estou fraco no coração, mas com o Senhor tenho ajuda.
Estou impaciente, mas com o Senhor há paz.
Dentro de mim há amargura, mas com o Senhor há paciência.
Não entendo os seus caminhos, mas o Senhor conhece o caminho para mim...
Restaura-me para a liberdade e capacita -me para viver agora de tal forma que eu possa responder perante ti e perante os homens.
Senhor,  seja o que for que este dia possa trazer, seu nome seja louvado. 
Amém.


Oração  de Dietrich Bonhoeffer



terça-feira, 20 de novembro de 2018

Oração de John Baillie

Segundo dia
Noite

Ó Pai do céu, tu formaste meus membros para servir-te e minha alma para seguir-te integralmente. Com tristeza e contrição de coração confesso-te as faltas e os fracassos deste dia que agora finda.
Ó Pai, tenho tentado grandemente a tua paciência e traído demasiadamente a confiança sagrada que depositas em mim; todavia ainda estás disposto a que a ti eu venha, em humildade de coração, como o faço agora rogando-te que ocultes minhas transgressões no mar do teu amor infinito.
Ó Senhor, perdoa-me o fracasso de não ser verdadeiro e leal aos meus próprios ideais; A ilusão que sinto em face da tentação; o deixar-me enganar pela tentação.A escolha do pior quando sei o que é o melhor; Ó Senhor, perdoa-me o fracasso de não aplicar a mim mesmo os padrões de conduta que exijo dos outros; A cegueira quanto ao sofrimento dos outros e a displicência em aprender pelo meu próprio sofrimento; A indiferença que sinto em relação às injustiças que não me atingem; A sensibilidade exagerada contra as injustiças que me atingem; A displicência em ver a bondade dos meus companheiros e em ver a minha própria maldade; Minha dureza de coração para com as faltas dos vizinhos e a prontidão com que procuro justificativas para as minhas faltas; Minha indisposição em crer que me chamaste para um pequeno trabalho, ao passo que ao meu irmão, para um grande trabalho; "Cria em mim, ó Deus, um coração puro, e renova dentro em mim um espírito inabalável. Não me repulses da tua presença, nem me retires o teu Santo  Espírito. Restitui-me a alegria da tua salvação, e sustenta-me com um espírito voluntário".

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Caminho de Perfeição - Teresa D'Avila


Teresa D’Ávila ou Teresa de Jesus (Espanha,1515-1582), carmelita descalça, representa um dos pontos altos da mística cristã. Seus momentos poéticos mais altos constituem uma celebração mística do amor divino. Sua influência, como mística e como poeta, atravessou séculos e deixou marcas, entre outros, no seu contemporâneo Juan de la Cruz (no Brasil,  João da Cruz), em Leibniz e em Bataille. 

"Lutai como fortes até morrer no combate. 
Não estais aqui para outra coisa, senão para pelejar"

Não vos espanteis das muitas coisas que é necessário considerar antes de iniciar esta viagem divina, caminho real para o céu. Indo por ele, ganha-se inestimável tesouro. Não é muito que, a nosso parecer, custe caro. Tempo virá em que se entenda como tudo é nada em comparação de tão grande prêmio.
Voltando agora aos que o querem seguir sem parar, até o fim, até chegar a beber desta água de vida, direi como se há de principiar.
Importa muito, e acima de tudo, uma grande e firme determinação de não parar até chegar à fonte de água viva, venha o que vier, suceda o que suceder, custe o que custar, murmure quem murmurar, quer chegue ao fim, quer morra no caminho, ou falte coragem para os sofrimentos que nele se encontram. Ainda que o mundo venha abaixo havemos de prosseguir. (...)
Por conseguinte, nada de temores. Nunca façais caso da opinião alheia. Olhai que não estamos em tempo de se dar crédito a todos, mas só aos que realmente se conformam à vida de Cristo. Procurai a limpeza de consciência e humildade, desprezo de todas as coisas do mundo e fé inabalável no que ensina a santa igreja. Ficai seguros de estar no bom caminho. Deixai-vos de temores, repito, onde não há que recear. Se alguém procurar assustar-vos, declarai-lhe humildemente vosso caminho.



Extraído de Jesus,Santa Teresa de. Caminho da Perfeição. Paulus Editora, 1979. capítulo 21.



Vossa sou, para vós nasci:
Que quereis fazer de mim?

Soberana Majestade
E Sabedoria Eterna,
Caridade a mim tão terna,
Deus uno, suma Bondade,
Olhai que a minha ruindade,
Todo amor, vos canta assim:
Que quereis fazer de mim?

Vossa sou, pois me criastes,
Vossa, pois me resgatastes,
Vossa, pois me atraístes
E porque me suportastes;
Vossa, pois me esperastes
E me salvastes, por fim:
Que quereis fazer de mim?

Que quereis fazer de mim?
Eis aqui meu coração:
Deponho-o em vossas mãos:
Minhas entranhas, minha alma,
Meu corpo, vida e afeição.
Doce esposo, meu Redentor,
A vós entregar-me vim:
Que quereis fazer de mim?

Que quereis, pois, bom Senhor,
Que faça tão vil criado?
Que missão que haveis dado
A este escravo pecador?
Amor doce, doce amor,
Vede-me aqui, fraca e ruim:
Que quereis fazer de mim?

Dai-me a morte, dai-me a vida,
A saúde ou a doença
Dai-me honra ou desonra
A guerra, ou a maior paz,
A fraqueza ou a paz plena,
A tudo isso, digo sim:
Que quereis fazer de mim?

Vossa sou, para vós nasci:
Que quereis fazer de mim?

Vossa sou, para vós nasci - Teresa d'Ávila

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Aprendendo o que Deus revela

Nossa vida, quer dizer, nossas experiências (aquilo que necessitamos, queremos e sentimos) são importantes em nossa formação espiritual. Afinal, são exatamente o material que está sendo formado. No entanto, nossas experiências não podem ser usadas como diretrizes da própria formação. Entre outras coisas, espiritualidade significa levarmos nós mesmos a sério. Significa ir contra as tendências culturais nas quais somos incessantemente banalizados e levados à condição de escravos dos produtores e anunciantes, constantemente despersonalizados e rotulados de acordo com nossos diplomas e salários. Entretanto, somos muito mais do que nossa utilidade ou reputação, de onde viemos e a quem conhecemos; nós somos a imagem de Deus única, eterna e impossível de ser reproduzida. Uma vigorosa afirmação da dignidade pessoal é fundamental para a espiritualidade. 

Há um senso segundo o qual jamais devemos nos levar a sério demais. No entanto, somos assunto sério. Fomos formados de "modo assombrosamente maravilhoso" (Salmo 139.14). Entretanto, é possível encararmos a nós mesmos de forma estreita demais, mas somos muito mais do que genes e hormônios, emoções e aspirações, empregos e ideais; acima de tudo, há Deus. Grande parte, se não tudo, do que e quem somos tem a ver com Deus. Se tentarmos entender e formar a nós mesmos pelos nossos próprios meios, perderemos a maior parte do nosso ser. 
Assim, a comunidade cristã sempre insistiu em que as Escrituras Sagradas, que revelam os caminhos de Deus para nós, são necessárias e básicas para nossa formação como seres humanos. Ao lermos a Bíblia, chegamos à conclusão de que o que precisamos não é primariamente informação, algo que nos diga coisas acerca de Deus e de nós mesmos, mas de formação, que nos modele em nosso verdadeiro ser. 
A própria natureza da linguagem forma muito mais do que informa. Quando a linguagem é pessoal, que é a sua melhor forma, ela revela; e a revelação é sempre formativa — não sabemos mais, mas nos tornamos mais. Aqueles que melhor utilizam a linguagem, os poetas, os apaixonados, as crianças e os santos, usam as palavras para fazer — fazer declarações, fazer caráter, fazer coisas belas, fazer bondade, fazer verdade. 
...

No último livro que escreveu, C. S. Lewis falou sobre dois tipos de leitura: a leitura na qual usamos o livro para nossos próprios propósitos e a leitura na qual nós recebemos os propósitos do autor. A primeira garante somente uma má leitura; a segunda acena para a possibilidade de uma boa leitura:

Quando "recebemos", exercitamos nossos sentidos e imaginação, bem como várias outras faculdades de acordo com um padrão criado pelo autor. Quando "usamos", tratamos a leitura como uma assistente para as nossas próprias atividades... "Usar" é inferior a "recepção" porque a arte, quando usada em vez de recebida, meramente facilita, ilumina, alivia ou serve de paliativo para nossa vida, sem acrescentar nada a ela.(1)

Você percebe por que estou insistindo que uma conscientização do que a Igreja formulou acerca da Trindade Santa é tão importante quando nos aproximamos desse Livro, a Bíblia? Nós a lemos a fim de receber a revelação de Deus, que é extremamente pessoal; lemos a Bíblia da forma que ela chega a nós, e não da forma que nós chegamos a ela; nós nos submetemos às várias operações complementares do Deus Pai, do Deus Filho e do Deus Espírito Santo: recebemos essas palavras a fim de sermos formados agora e para a eternidade, para a glória de Deus. 

...

"Coma este livro" é a metáfora escolhida por nós para focar a atenção naquilo que envolve a leitura de nossas Sagradas Escrituras de maneira formativa; quer dizer, lê-las de tal forma, que o Espírito Santo as use para formar Cristo em nós. Não estamos interessados em saber mais, mas sim em sermos mais transformados. 
Estou colocando um crescente senso de urgência sobre esta questão porque já ficou claro que nós vivemos numa época na qual a autoridade das Escrituras em nossas vidas tem sido substituída pela autoridade do ser: somos encorajados de todos os lados a assumir o controle de nossas vidas e a usar nossa própria experiência como o texto autoritativo pelo qual vivermos. 
O elemento alarmante para mim é que esse espírito invadiu as igrejas evangélicas. Num grau maior ou menor, espero ver o mundo exterior tentando viver de forma independente. Mas não aqueles que confessam a Jesus como Senhor e Salvador. Eu não sou o único a advertir que estamos numa posição delicada e embaraçosa por sermos a Igreja que crê ardentemente na autoridade da Bíblia, mas, em vez de submeter-se a ela, apenas a usa, aplica e controla, usando a própria experiência como autoridade que determina como, onde e quando a usaremos. 
Meu propósito é conter essa soberania do ser reafirmando o que significa viver essas Escrituras a partir do interior, em vez de usá-las para nossos propósitos sinceros e devotos, mas mesmo assim gerados pela soberania do ser.


(1) C. S. Lewis, An Experiment in Criticism [Experimento em crítica] (Cambridge: Cambridge University Press, 1961) p. 88. Lewis também ofereceu esta ilustração: "Um [que recebe] é como alguém que é levado para um passeio de bicicleta por um homem que conhece estradas que ele jamais explorou. O outro (que usa) é como alguém que instala um pequeno motor em sua própria bicicleta e então anda por uma estrada que já conhece".

Extraído do livro Peterson, Eugene. Coma este Livro: a comunidade santa à mesa com as Sagradas Escrituras. Niterói, RJ: Textus, 2004. 


sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Senhor, hoje tentei correr o mundo...

Lucas 12:22-32 - Jesus está falando sobre depender da providência de Deus.

Senhor, hoje tentei correr o mundo por conta própria.
Tentei tão arduamente, Senhor, cuidar de todas as coisas.
  Tomei sobre mim todos os problemas,
todos os fardos, todas as preocupações de todos os que constituem o meu pequeno mundo.

Tentei tão arduamente, Senhor, e nada realizei.
Estou frustrada, confusa e esgotada
a ponto de derramar lágrimas.
Nada parecia ir bem.

Senhor, será que alguma vez aprenderei
que tu és aquele que a tudo controlas?
Que tu és aquele que conheces todas as respostas?
Que tu és o único que podes carregar os fardos intoleráveis que tentamos nós mesmos levar nos ombros?
Que és o único que podes resolver os problemas insolúveis?
Que és o único que realizas qualquer coisas de valor?
Que tudo depende de ti?

Senhor, às vezes me pergunto por que te incomodas de me suportares.
Às vezes me pergunto se não és terrivelmente tentado a me levar pelos ombros
e me sacudir até que meus dentes chocalhem.
Não te culparia se te sentisses assim.

Obrigada, Senhor, por me suportares hoje.

E obrigada, Senhor, por fazeres tudo a TUA maneira!



Oração de Garmon, Sue em Manning, Brennan. Convite à solitude. São Paulo: Mundo Cristão, 2010. p. 178 e 179.

domingo, 14 de outubro de 2018

Oração

Senhor, quero tanto fazer coisas grandes para ti.
Gostaria tanto de fazer um grande gesto, fazer algo realmente espetacular.
Algo GRANDE.
Mas não me pedes que eu faça coisas assim.

Pedes que eu faça as coisas pequenas e insignificantes que constituem a minha vida diária.
Não me pedes que eu faça algo grande e glorioso; apenas que eu faça o que devo fazer.
Não me pedes que faça algo realmente espetacular; apenas que eu ame o próximo.
Não me pedes que faça algo realmente estupendo; apenas a rotina, os afazeres, entra dia e sai dia, de uma mulher em atividade. 

Senhor, quando sinto que o que estou fazendo é insignificante e sem importância, ajuda-me a lembrar que tudo o que faço é significativo e importante a teus olhos, porque tu me amas e me pões aqui, e ninguém mais pode fazer o que estou fazendo exatamente como faço.
E, Senhor, acredito que seria melhor te agradecer por não pedires nada extraordinário de mim.
Quando penso seriamente a esse respeito, não sei na verdade se estaria à altura.

Obrigada, Senhor, por conheceres minhas habilidades e aptidões.

Oração de Garmon, Sue em Manning, Brennan. Convite à solitude. São Paulo: Mundo Cristão, 2010. p. 74 e 75.

sábado, 13 de outubro de 2018

Distrações

    

    A oração e o amor se aprendem na hora em que a oração se torna impossível e o coração vira pedra.

***

    Quem nunca teve distrações não sabe orar. Pois o segredo da oração é a fome de Deus e da visão dele. Fome que está em um plano mais profundo do que o nível da linguagem e dos afetos. E que é perseguido pela memória e a imaginação com uma multidão de imagens e de pensamentos inúteis e às vezes até maus, pode ser forçado a orar muito melhor, nas profundezas de seu coração aflito, do que alguém cuja mente está nadando em conceitos claros, propósitos brilhantes e atos fáceis de amor.
    Por isso é inútil se perturbar ao não conseguir se livrar das distrações. Em primeiro lugar, é preciso perceber que estas muitas vezes são inevitáveis à vida de oração. A necessidade de se ajoelhar e suportar submergir em uma forte onda de imagens loucas e absurdas é uma das provações comuns da vida contemplativa. Se você achar que é obrigado a se defender dessa invasão utilizando um livro e se agarrando a suas frases como alguém que, ao se afogar, agarra-se a destroços, pode fazer isso; mas se permitir que a sua oração degenere em um período de simples leitura espiritual, estará perdendo muitos frutos. Seria muito mais proveitoso resistir pacientemente às distrações e aprender algo sobre sua incapacidade e desamparo. E se o seu livro se tornar apenas um anestésico, longe de ajudar a meditação, a destruirá.

***

    [...] a vontade de orar é a essência da oração, e o desejo de encontrar a Deus, de vê-lo e amá-lo, é a única coisa que importa. Se tiver o desejo de conhecê-lo e amá-lo, já fez o que era esperado de você, e é muito melhor desejar a Deus sem ser capaz de pensar claramente nele do que ter pensamentos fabulosos sobre Ele sem desejar unir-se à sua vontade.
    Por mais distraído que você possa estar, ore com esforços pacíficos, talvez até inarticulados, para centrar o seu coração em Deus, presente em você, apesar de tudo o que possa estar passando pela sua mente. A presença dele não depende de que os seus pensamentos estejam nele. Ele está infalivelmente presente, se não estivesse, você nem poderia existir. A lembrança de sua presença infalível é a âncora mais segura para nossa mente e nosso coração na tempestade de distrações e tentações, por meio das quais temos de ser purificados.




Merton, Thomas. Novas sementes de contemplação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017. p.204-207.



segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Sementes de Contemplação

Cada momento e cada acontecimento na vida de cada homem na terra planta algo em sua alma. Pois, assim como o vento leva milhares de sementes aladas, assim também cada instante traz consigo germes de vitalidade espiritual que vão pousar imperceptivelmente no espírito e na vontade dos homens. A maioria dessas inumeráveis sementes perece e se perde porque os homens não estão preparados para recebê-las: sementes como essas só podem germinar na boa terra da liberdade, da espontaneidade, do amor.

Precisamos aprender a perceber que o amor de Deus nos procura em cada situação e visa ao nosso bem. Seu amor imperscrutável busca o nosso despertar. 

A mente presa a ideias convencionais e a vontade cativa de seu próprio desejo não podem aceitar as sementes de uma verdade que lhes é estranha e de um desejo sobrenatural. De fato, como posso receber as sementes da liberdade se estou enamorado da escravidão, e como abrigar em mim o desejo de Deus se estou cheio de outro desejo, que lhe é oposto? Deus não pode plantar sua liberdade em mim porque sou prisioneiro e nem sequer desejo ser livre. Amo meu cativeiro e eu mesmo me aprisiono no desejo das coisas que odeio, e endureci meu coração contra o verdadeiro amor. Preciso, pois, aprender a me desfazer das coisas familiares e ordinárias e a consentir no que é novo e estranho para mim. Tenho de aprender a "deixar-me" para poder me encontrar ao me render ao amor de Deus. 

Pois é o amor de Deus que me aquece ao sol e o amor de Deus que envia a chuva fresca. É o amor de Deus que me nutre do pão que como e Deus que também me alimenta com a fome  e o jejum. É o amor de Deus que manda os dias de inverno em que sinto frio e estou enfermo, e também o verão quente quando trabalho e minha roupa está encharcada de suor. Deus sopra sobre mim o vento leve do rio e a brisa do bosque. Seu amor estende a sombra das árvores sobre minha cabeça e envia o menino com um balde de água da fonte, à beira dos campos de trigo, enquanto os lavradores repousam e suas mulas estão sob as árvores.

É o amor de Deus que me fala nos pássaros e riachos; mas, por trás do clamor da cidade, Deus também me fala em seus julgamentos. E todas essas coisas são sementes que me são enviadas por sua vontade.

Se essas sementes se enraizassem em minha liberdade, e se sua vontade crescesse nela, eu me tornaria o amor que Ele é, e minha colheita seria sua glória e minha própria alegria.

Minha preocupação principal não deve ser encontrar prazer ou sucesso, saúde ou  vida, dinheiro ou repouso, nem mesmo coisas como a virtude e a sabedoria - menos ainda seus opostos: dor, fracasso, enfermidade, morte. Mas, em tudo que acontece, meu único desejo e minha única alegria devem ser saber: "Aqui está o que Deus quis para mim. Nisto encontro o seu amor e, aceitando isso, posso retribuir seu amor e, com este, dar-me a Ele. Pois ao dar-me a Ele, eu o encontrarei, e Ele é vida eterna".

Assentindo com alegria na vontade de Deus e cumprindo-a com satisfação, tenho seu amor em meu coração, pois minha vontade é agora o mesmo que seu Amor e estou a caminho de me tornar o que Ele é, e Ele é Amor. Aceitando dele todas as coisas, recebo sua alegria em meu coração, não porque as coisas sejam como são, mas porque Deus é quem Ele é, e seu amor quis a alegria para mim em todas elas.

Merton, Thomas. Novas sementes de contemplação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017. p.28-31.

sábado, 6 de outubro de 2018

Tua Forte Mão

Se a minha alma teme o amanhã
E o coração não vê o Teu cuidado,
Se eu não consigo ouvir a Tua voz,
Ainda assim confiarei.
Confiarei!

Eu sei que o meu Redentor Vive,
Que se levantará sobre a terra.
A Tua bondade transbordará
Meus desertos com misericórdia!

Tua forte mão, guarda os meus dias.
Mesmo sem te ver eu pertenço a Ti!
O Teu perdão me cura, oh Deus!
Tua cruz me limpa!
Eu sei que não mereço, mas
Me amas com amor sem fim.
Sem fim!

Sei que me amas 
de um modo totalmente gracioso Jesus, 
tão grande amor!


Dell Cordeiro e Paulo César Baruk





Contemplação: Deus em nossa vida cotidiana



“A contemplação é a consciência e a compreensão, e mesmo, em certo sentido, a experiência daquilo em que cada cristão obscuramente crê: ‘Não sou mais eu quem vive; é Cristo que vive em mim’. 
É um despertar, uma iluminação, e a surpreendente compreensão intuitiva por meio da qual o amor adquire a certeza da intervenção criadora e dinâmica de Deus em nossa vida cotidiana". 

 

“A contemplação é mais do que a mera consideração de verdades abstratas sobre Deus; mais, até, do que a meditação afetiva das coisas em que cremos. É um despertar, uma iluminação, e a compreensão intuitiva e maravilhosa, com que o amor se certifica da intervenção criadora e dinâmica de Deus em nossa vida cotidiana. A contemplação, portanto, não ‘encontra’ simplesmente uma ideia clara sobre Deus, confinando-o dentro dos limites dessa ideia, retendo-o como um prisioneiro a quem se pode sempre voltar. Pelo contrário, a contemplação é que é por Ele arrebatada e transportada ao seu próprio domínio, ao seu mistério, à sua própria liberdade. É um conhecimento puro e virginal, pobre em conceitos, mais pobre ainda em raciocínios, mas capaz, por sua própria pobreza e pureza, de seguir a Palavra ‘aonde quer que vá’.”


Merton, Thomas. Novas Sementes de Contemplação.  Rio de Janeiro: Editora Fissus, 2001, p. 12-13.

Oração - John Baillie


Décimo Primeiro dia
Manhã 

Ó Deus onipotente, sob cujo olhar vigilante decorre a nossa vida mortal, concede que, em todas as ações e propósitos de hoje, eu me porte com verdadeira cortesia e honra.

Faze-me justo e verdadeiro em todo o proceder. Não permitas que pensamentos vis ou indignos me ocupem a mente, nem por um instante. Consente que meus motivos sejam claros a todos e minha palavra como uma carta de fiança.

Não permitas que me aproveite das fraquezas de alguém. Concede que eu seja generoso ao julgar os outros, seja desinteressado nas minhas opiniões, leal para com os amigos, magnânimo para com os adversários. Que enfrente a adversidade com coragem. Não permitas que eu peça ou espere demais para mim mesmo.

Todavia, ó Senhor Deus, que eu não me satisfaça com algum ideal humano alienado de Cristo. Antes concede que eu tenha “o mesmo sentimento que houve “ nele. Não me deixes descansar até que chegue “à medida da estatura da plenitude de Cristo”.

Deixa-me escutar a pergunta de Cristo: o que fazeis mais do que os outros? E assim as três virtudes cristãs – fé, esperança e amor venham a ser mais e mais cultivadas em mim, até que todo o meu andar e conversar honrem o evangelho de Cristo.

Senhor, tu que provaste teu amor aos homens na paixão e morte de Jesus Cristo nosso Senhor, concede que o poder de sua cruz esteja comigo hoje. Permite-me amar como Ele amou. Permite-me ser obediente até à morte.

Embora eu dependa da sua cruz, não me deixes recusar a minha própria cruz.

Senhor, tu fizeste que o homem viva em família! Suplico a tua benção também para todos os membros desta casa, todos os meus vizinhos e todos os meus concidadãos.

Que Cristo reine em cada coração e sua lei seja honrada em cada lar. Que todo o joelho se curve diante dele e toda a língua confesse que tu és Senhor. 

Amém.