quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

O silêncio purificador

João da Cruz dizia que duas purificações acontecem na noite escura da alma. A primeira despoja-nos da dependência dos resultados exteriores - as "grandes coisas"  não nos impressionam mais. Não somos mais convencidos por referências elogiosas, elas não nos comovem mais. 
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Tornamo-nos também insensíveis às impressionantes obras da devoção religiosa. Práticas litúrgicas, símbolos sacramentais, participação no louvor, exercícios particulares de devoção - tudo vira cinza em nossas mãos. 
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O despojamento da dependência dos resultados exteriores se completa quando temos menos controle sobre o nosso destino e ficamos à mercê dos outros. Isso é o que João da Cruz denomina "noite escura passiva".
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A segunda purificação de João da Cruz envolve a privação dos resultados interiores, mais perturbadora e dolorosa que a primeira, pois ameaça os alicerces de tudo o que cremos e aceitamos. De início, ficamos cada vez mais inseguros com as obras internas do Espírito; refletimos mais profundamente sobre o tipo de Deus em que cremos.
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Somos conduzidos a uma santa e profunda desconfiança de toda atividade superficial e de qualquer esforço humano. Passamos a conhecer como nunca a infinita capacidade que temos de nos iludir. Aos poucos, somos despojados das garantias vãs e das falsas sujeições. Nossa confiança em resultados exteriores e interiores é de tal forma abalada, que aprendemos a ter fé somente em Deus. Por meio da improdutividade de nossa alma, Deus produz separação, humildade, paciência e perseverança.
O mais surpreendente nisso tudo é que nossa sequidão gera em nós o hábito de orar. Todas as distrações vão embora. Até mesmo a comunhão desaparece. Tornamo-nos pessoas concentradas. A alma fica ressecada, sedenta, e essa sede pode nos levar à oração. Digo "pode" porque ela também leva ao desespero ou simplesmente nos faz abandonar a busca.
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Espere em Deus. Espere calado e tranquilo. Mantenha-se vigilante e esteja pronto para responder. Aprenda que a confiança precede a fé.
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"Não entendo o que Deus está fazendo nem quem ele é, mas sei que quer me fazer bem". Isso é confiar. Isso é esperar.
Não entendo completamente os motivos da desolação causada pela ausência de Deus. O que sei é o seguinte: embora seja necessária, a desolação nunca é permanente. No tempo e à maneira de Deus, o deserto se transformará numa terra que manam leite e mel.

Bernardo de Claraval: "Ó meu Deus, abismo chama abismo (Salmo 42:7). O abismo de minha profunda miséria chama o abismo de tua infinita misericórdia". 

 



Extraído de Foster, Richard. Oração: o refúgio da alma. São Paulo: Editora Vida, 2008, p. 42-47.

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