quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Os buscadores e as buscadoras de Deus (I)

Os buscadores e as buscadoras de Deus procuraram e encontraram a Deus, cada qual em seu próprio contexto de vida. Eles apresentam diversas situações a partir das quais o ser humano é interpelado por Deus.
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Agostinho (354-430) é, desde a sua juventude, um buscador de Deus, alguém que procura a verdade. Contudo, ele fica fascinado, oscilando entre sua busca pela verdade, pelo que o move realmente, e sua necessidade de amor. Fica dilacerado em sua busca de Deus e em sua ânsia pela proximidade de uma mulher. Acha-se fissurado por sua carência de beleza e de cultura humanas, da maneira como as encontra no teatro romano, e por sua necessidade da beleza simples, necessidade de Deus, que preenche o profundo anelo por beleza e amor.
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Quem se junta a ti entra para a paz de seu Senhor, perderá o medo, e se sentirá o melhor possível no que há de melhor. Em minha juventude, porém, fugi de ti, meu Deus, caí no erro, longe demais de tua firmeza, e me tornei um reino de privação.
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Visto que eu ardia em paixão, busquei o objeto dessa paixão, e eu odiava um estilo de vida seguro, sem armadilhas; é que, interiormente, sentia fome de alimento interior, fome precisamente de ti, meu Deus.
... minha situação espiritual era incerta e um mar de feridas, entreguei-me ao mundo exterior, miseravelmente ansioso por encontrar alívio no contato com as coisas sensíveis.
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Meu Deus, minha misericórdia, em tua bondade, quanta intensa amargura colocavas naqueles meus gozos! 
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Na verdade, eu ainda deixava que meu coração se treinasse em retrair-se diante de toda aprovação: eu temia cair no que é duvidoso, mas esta hesitação não me privava de nada mais certo do que isso.
... encontrava-me minha alma enferma: a cura só podia chegar-lhe mediante a fé;  no entanto, a fim de não acreditar em algo falso, ela resistia à cura à medida que ela afastava de si tuas mãos, Tu, que preparaste em primeiro lugar, acima de tudo, o remédio da fé, esparramando-o em todo o mundo para as enfermidades, tendo-lhe conferido tão poderosa eficácia.
Meu Deus, agradecido quero lembrar-me de ti, confessar tua imensa misericórdia para comigo.
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Tuas palavras penetraram meu coração, e por todos os lados me sitiaste. Desapareceu toda dúvida  a respeito da existência de um ser indestrutível ou da proveniência de todo ser dele. Aquilo por que agora eu ansiava não era por maior certeza a teu respeito, mas por maior firmeza em ti.
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Agora Tu me mostravas meu rosto; eu devia ver quão horrendo eu era: deformado e sujo, cheio de máculas e de feridas. Vi-me e assustei-me, mas já nada mais existia aonde pudesse fugir de mim mesmo.
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Quando, porém, uma profunda reflexão revelou toda a miséria do fundo oculto de meu coração, expondo-a aos meus olhos interiores, desencadeou-se em mim uma imensa tempestade, com uma copiosa torrente de lágrimas.
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Então, de repente, ouço a voz da casa vizinha, como a  de uma criança, não sei bem se de um menino ou de uma menina, que em cantilena cantava e repetia: "Toma e lê, toma e lê!" Interrompi o curso das lágrimas e levantei-me, pois só podia interpretar isso como se Deus me ordenasse abrir um livro e ler a primeira passagem sobre a qual meus olhos caíssem. Por isso, afobado, apressei-me em voltar para o lugar onde deixara o livro com as Cartas de Paulo, quando me levantara. Agarrei-o, abri-o e, em silêncio, para mim mesmo, li o parágrafo sobre o qual primeiramente meus olhos caíram: "Não em orgias e bebedeiras, nem em devassidão e libertinagem, nem em rixas e ciúmes. Mas vesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis satisfazer os desejos da carne" (Romanos 13:13-14). Não queria continuar a ler: não era necessário. De fato, imediatamente, quando havia chegado ao fim da frase, a luz da certeza jorrou em meu coração: toda treva da dúvida havia desaparecido.
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Com teu amor, atravessaste nosso coração como uma flecha: carregávamos tuas palavras aonde quer que fôssemos porque elas estavam sob nossa pele. No interior de nosso pensamento, ardiam as inúmeras exemplares histórias de vida de teus servos, que tu das trevas e da morte mudaste em luz e vida: elas nos aliviaram do pesado torpor, para que não caíssemos no abismo; eles avivarão tão fortemente o fogo, que nenhum vento contrário das línguas traiçoeiras podia apagar, mas, ao contrário, reavivá-lo mais firmemente.

Extraído de Grün, Anselm. O encontro com Deus: experiências de fé de grandes nomes da História. 2. ed. Petrópolis, RJ : Vozes, 2014. p. 14-16, 35-50.


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