sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Oração de formação

"A oração  muda situações", diz o povo. Ela também nos muda, e essa segunda meta é a mais imperativa. O  objetivo primário da oração é levar-nos a uma vida de estreita comunhão com o Pai, de modo que, pelo poder do Espírito, sejamos cada vez mais conformados à imagem do Filho. Esse processo transformativo é o único propósito da oração de formação.
Nenhum de nós conseguirá manter uma vida de oração, a menos que esteja preparado para mudar.
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Nesse novo e vivo caminho, o Espírito de Deus nos ensinará todos os dias. Quando começarmos a seguir as orientações do Espírito, começaremos também a ser transformados de dentro para fora.
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Dallas Willard faz menção de três áreas principais em que Deus costuma atuar em nossa contínua transformação - um "triângulo dourado" da formação, se você preferir. A primeira área são as clássicas disciplinas espirituais da vida: solitude, jejum, adoração, celebração e outras. A segunda área é nossa contínua interação com as ações do Espírito de Deus: desobediência, arrependimento, submissão, fé, obediência e muito mais. A terceira área é a paciência que Deus desenvolve em nós por meio das frustrações, provas e tentações do dia a dia. 
Por esse motivo, jamais devemos isolar a oração do restante da devoção cristãs ou exigir dela mais do que é intenção de Deus.
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Deus deseja moldar-nos de maneira progressiva pelo padrão de Cristo: "Aqueles que [Deus] de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho..." (Romanos 8:29). Queremos ver a oração de formação surtindo efeito nessa conformação progressiva.
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Na oração de formação, existe tanto o aspecto ativo quanto o passivo. Pelo aspecto ativo, somos nós que buscamos a Deus... Somos peregrinos numa jornada de fé. Estamos nos exercitando na piedade.
Pelo aspecto passivo, somos procurados por Deus. Permanecemos atentos e sensíveis a ele. Somos o barro nas mãos do Oleiro (Jeremias 18).


Extraído de Foster, Richard. Oração: o refúgio da alma. São Paulo: Editora Vida, 2008, p. 89-92.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Para que serve a oração de investigação?

Ela apresenta dois aspectos básicos, semelhantes aos dois lados de uma porta. O primeiro aspecto é o exame de percepção, pelo qual descobrimos como Deus se faz presente em nossa vida no dia a dia e como reagimos à sua presença amorosa. O segundo aspecto é o exame de consciência, no qual expomos aquelas áreas que precisam ser purificadas e restauradas.
No exame de percepção, refletimos, em atitude de oração, sobre nossos pensamentos, sentimentos e ações, até descobrirmos como Deus está trabalhando em nós e como reagimos à obra divina. 
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O exame de percepção é o meio que Deus usa para nos fazer mais atentos ao que acontece à nossa volta.
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No exame de consciência, somos incentivados pelo Senhor a sondar as profundezas de nosso coração. Longe se ser algo desagradável, isso é um escrutínio de amor (Salmo 139:23-24).
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Sem apresentar desculpas e sem ficar na defensiva, procuramos saber o que há de verdade em nós.
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Deus nos mostrará o que precisamos ver no momento em que precisarmos ver.
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Madame Guyon adverte-nos do perigo de "depender mais de nosso escrutínio do que de Deus para a descoberta e o conhecimento de nosso pecado" (1). Se a inquirição for apenas um autoexame, ao final dela sentiremos ou orgulho em excesso ou demasiada vergonha.
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A oração de investigação produz em nosso íntimo a inestimável graça do autoconhecimento.
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"Conhece-te a ti mesmo" é a famosa frase de Sócrates.
Teresa de Ávila entendia o valor do autoconhecimento. Em sua autobiografia, ela escreveu: "O caminho do autoconhecimento jamais deve ser abandonado, nem existe nessa jornada uma alma gigante, que não precise retornar ao estágio de infante ou de uma criança de peito". 
Devemos retornar muitas e muitas vezes a esse caminho básico da oração.
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Por meio da fé, o autoconhecimento conduz-nos à autoaceitação e ao amor-próprio, cuja vida provém da aceitação e do amor de Deus. 



(1) Experimentando as profundezas de Jesus Cristo através da oração. São paulo: Editora dos Clássicos, 2002, p.51.





Extraído de Foster, Richard. Oração: o refúgio da alma. São Paulo: Editora Vida, 2008, p. 49-55.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

O silêncio purificador

João da Cruz dizia que duas purificações acontecem na noite escura da alma. A primeira despoja-nos da dependência dos resultados exteriores - as "grandes coisas"  não nos impressionam mais. Não somos mais convencidos por referências elogiosas, elas não nos comovem mais. 
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Tornamo-nos também insensíveis às impressionantes obras da devoção religiosa. Práticas litúrgicas, símbolos sacramentais, participação no louvor, exercícios particulares de devoção - tudo vira cinza em nossas mãos. 
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O despojamento da dependência dos resultados exteriores se completa quando temos menos controle sobre o nosso destino e ficamos à mercê dos outros. Isso é o que João da Cruz denomina "noite escura passiva".
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A segunda purificação de João da Cruz envolve a privação dos resultados interiores, mais perturbadora e dolorosa que a primeira, pois ameaça os alicerces de tudo o que cremos e aceitamos. De início, ficamos cada vez mais inseguros com as obras internas do Espírito; refletimos mais profundamente sobre o tipo de Deus em que cremos.
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Somos conduzidos a uma santa e profunda desconfiança de toda atividade superficial e de qualquer esforço humano. Passamos a conhecer como nunca a infinita capacidade que temos de nos iludir. Aos poucos, somos despojados das garantias vãs e das falsas sujeições. Nossa confiança em resultados exteriores e interiores é de tal forma abalada, que aprendemos a ter fé somente em Deus. Por meio da improdutividade de nossa alma, Deus produz separação, humildade, paciência e perseverança.
O mais surpreendente nisso tudo é que nossa sequidão gera em nós o hábito de orar. Todas as distrações vão embora. Até mesmo a comunhão desaparece. Tornamo-nos pessoas concentradas. A alma fica ressecada, sedenta, e essa sede pode nos levar à oração. Digo "pode" porque ela também leva ao desespero ou simplesmente nos faz abandonar a busca.
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Espere em Deus. Espere calado e tranquilo. Mantenha-se vigilante e esteja pronto para responder. Aprenda que a confiança precede a fé.
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"Não entendo o que Deus está fazendo nem quem ele é, mas sei que quer me fazer bem". Isso é confiar. Isso é esperar.
Não entendo completamente os motivos da desolação causada pela ausência de Deus. O que sei é o seguinte: embora seja necessária, a desolação nunca é permanente. No tempo e à maneira de Deus, o deserto se transformará numa terra que manam leite e mel.

Bernardo de Claraval: "Ó meu Deus, abismo chama abismo (Salmo 42:7). O abismo de minha profunda miséria chama o abismo de tua infinita misericórdia". 

 



Extraído de Foster, Richard. Oração: o refúgio da alma. São Paulo: Editora Vida, 2008, p. 42-47.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

A oração simples

Acreditamos que a oração é a única coisa que podemos fazer, e até mesmo é algo que desejamos fazer, mas parece haver um abismo entre nós e a verdadeira oração.
O que nos retém?
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A verdade é que, quando vamos orar, levamos conosco uma miscelânea de motivos - altruístas e egoístas, plenos de compaixão e de rancor, originados em sentimento amoroso e de amargura.
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Deus é grande o bastante para nos aceitar com toda essa mistura.
A graça significa não somente que somos salvos por ela, mas que vivemos por ela. Assim, é também por meio dela que oramos.
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Jamais nossos motivos serão puros o bastante, bons o bastante. Jamais nossos conhecimentos serão suficientes para uma oração correta em todos os aspectos.
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Deus nos aceita como somos e aceita nossa oração tal como ela é feita.
Na oração simples, apresentamo-nos a Deus exatamente como somos, com todos os nossos defeitos.
De maneira simples e despretensiosa, expomos nossas preocupações e apresentamos nossos pedidos.
Num sentido muito real, somos o foco da oração simples.
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De fato, às vezes, a oração simples é chamada de "oração do novo começo".
A oração simples é a forma de orar mais comum na Bíblia.
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Na oração simples, o bom, o mau e o desagradável estão misturados.
A oração simples envolve pessoas com preocupações normais na presença de um Pai amoroso e compassivo.
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A oração simples é a oração do iniciante. É a oração infantil, embora sempre retornemos a ela. Teresa de Ávila observa: "Não há estágio de oração tão sublime que nos isente de retornar ao início muitas vezes". 
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Quem pensa que pode pular a oração simples está menosprezando a si mesmo. O mais provável é que nem esteja orando. Ele discute oração, analisa oração e até mesmo escreve livros sobre oração, mas é bastante improvável que esteja de fato orando.
No entanto, quando oramos, a condição verdadeira de nosso coração é revelada. É assim que deve ser. É quando Deus começa verdadeiramente a trabalhar em nós. A aventura está apenas começando.


O único lugar em que Deus nos pode abençoar é justamente onde estamos, porque é o único lugar onde estamos!


Madame Guyon escreveu: "Esse caminho da oração, esse relacionamento simples contigo, Senhor, que serve para todos, desde o mais ignorante ao mais erudito. Essa oração, essa experiência que começa de maneira tão simples, tem como fim um amor totalmente devotado ao Senhor. Uma única coisa é requerida: o amor"(1). 


(1)  Experimentando as profundezas de Jesus Cristo através da oração. São paulo: Editora dos Clássicos, 2002, p.47.



Extraído de Foster, Richard. Oração: o refúgio da alma. São Paulo: Editora Vida, 2008, p. 25-30,33.



terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Canção Espiritual - Canção I

12. Fazes muito bem, ó alma, em buscar o Amado sempre escondido, porque muito exaltas a Deus, e muito perto dele te chegas, quando o consideras mais elevado e profundo que tudo quanto podes alcançar. 
Por esta razão, não te detenhas, seja em parte, seja no todo, naquilo que tuas potências podem apreender. 
Quero dizer: jamais desejes satisfazer-te nas coisas que entenderes de Deus; antes procura contentar-te no que não compreenderes a respeito dele.
Nunca te detenhas em amar e gozar nessas coisas que entendes ou experimentas, mas, ao contrário, põe teu amor e deleite naquilo que não podes entender ou sentir; porque isso, como dissemos, é buscar a Deus na fé. 
Visto como Deus é inacessível e escondido, conforme também já explicamos, por mais que te pareça achá-lo, senti-lo ou entendê-lo, sempre o hás de considerar escondido, e o hás de servir escondido às escondidas.
E não sejas como tantos incipientes(1) que consideram a Deus de modo mesquinho, pensando estar ele mais longe
ou mais oculto, quando não o entendem, nem o gozam, nem o sentem; mais verdade é o contrário, porque chegam mais perto de Deus quando menos distintamente o percebem.
João da Cruz 

(1)  que inicia, que está no começo; inicial, iniciante, principiante.


Extraído de Obras de São João da Cruz, Petrópolis: Editora Vozes, 1960, vol. II, p.29-30.