quarta-feira, 19 de junho de 2019

A oração meditativa

Você já viu alguma vez uma vaca ruminando? Esse pacato animal enche o estômago com grama e outros alimentos. Então se deita tranquilamente e dá início ao processo de regurgitação, reprocessando a comida com lentos movimentos da boca.
O mesmo acontece com a oração meditativa. A verdade sobre a qual refletimos passa da boca para a mente e depois desce ao coração, onde, por meio da tranquila ruminação, produz naquele que ora uma reação de fé e amor.
...
Devemos ter a mente ocupada e disciplinada pelas Escrituras antes de podermos, com real benefício, chegar à presenças do Santo numa comunhão direta.
Todos os mestres devocionais d história da Igreja consideram a meditatio Scripturarum, a "meditação nas Escrituras", o referencial básico para todas as outras formas de meditação.
Na oração meditativa, A Bíblia deixa de ser uma coletânea de citações para se tornar as maravilhosas "palavras de vida" que nos conduzem à Palavra da vida. Isso difere até mesmo do estudo das Escrituras. Enquanto o estudo das Escrituras se concentra na exegese, a meditação das Escrituras procura internalizar e personalizar o texto. A Palavra escrita transforma-se em palavra viva dirigida a nós.
É quando deixamos de lado qualquer traço de arrogância e, com humildade de coração, recebemos a mensagem que nos está sendo comunicada.
Dietrich Bonhoeffer diz:
Assim como você não analisa as palavras de alguém que você ama, aceitando-as como lhe são ditas, aceite a Palavra das Escrituras e medite nelas, como fez Maria. Isso é tudo. Isso é meditação.(1)
...
Na meditação experimentamos o que Soren Kierkegaard denomina "contemporaneidade" das Escrituras. O passado não é paralelo: ele cruza com o presente. 
...
A maneira mais simples e básica de meditar num texto das Escrituras é pela imaginação.
Trata-se de um auxílio extraordinário quando nos debruçamos sobre o texto das Escrituras, porque desejamos ver, ouvir e tocar a narrativa bíblica.
Saímos da observação imparcial para a participação ativa.
O próprio Jesus pensava dessa maneira, fazendo constantes apelos à imaginação em suas parábolas. 
Teresa de Ávila, em seu Livro da vida, diz: 
Como não podia discorrer com o entendimento, procurava representar Cristo dentro de mim. [...] Destas simplicidades tinha eu muitas. [...] Tenho para mim que assim a minha alma ganhou muito, porque comecei a praticar a oração sem saber que coisa era.(2)

O uso da imaginação também possui a virtude de acrescentar emoções à equação. Assim, podemos nos aproximar de Deus com o coração e coma a mente.
...
Acreditar  que Deus pode santificar e usar a nossa imaginação corresponde a levar a sério a ideia cristã da encarnação. Deus está tão conformado, tão incorporado ao nosso mundo, que utiliza as imagens que conhecemos e entendemos para nos ensinar acerca do mundo invisível, do qual sabemos e entendemos muito pouco.
Na meditação cristã, procuramos viver a experiência das Escrituras. Alexander Whyte diz:
Você abre seu Novo Testamento [...] E nesse momento imagina que é um dos discípulos de Cristo, no mesmo lugar que eles, e que está aos és dele [...] com sua imaginação ungida com óleo santo [...] numa hora, você é o publicano; em outro momento, é o filho pródigo [...] numa hora, você é Maria Madalena; em outro momento é Pedro no pórtico do templo.(3)
...
Lembre-se, na oração meditativa Deus está sempre se dirigindo à nossa vontade. 
Na oração meditativa, não há perda de identidade, nem fusão com a consciência cósmica, nem mirabolantes viagens astrais. Em vez disso, somos convocados à obediência que transforma a vida, porque nos encontramos com o Deus vivo de Abraão, Isaque e Jacó. Cristo está de fato presente entre nós para nos curar, perdoar, transformar e revestir de poder.
...
Lectio divina é uma forma de leitura na qual a mente desce ao coração e ambos são envolvidos pela bondade e pelo amor de Deus.
Estamos ouvindo com o coração o Espírito Santo dentro de nós. Essa piedosa leitura, como a podemos chamar, nos edifica e nos fortalece.
...
Na oração meditativa, Deus se dirige a nós pessoalmente. Nada do que acontece é causado por nós. De fato, até mesmo o desejo de ter contato com a voz de Deus é uma obra divina em nosso coração, pois somos inclinados a nos esconder dele.

"Como eu amo a tua leiPenso nela o dia todo. 
Como são doces as tuas palavras! São mais doces do que o mel."(4)

(1)  Bonhoeffer, Dietrich. The Way To Freedom. New York: Harper & Row, 1966, p.59.
(2) Como citado em Lynn, J. Radcliffe, Making Prayer Real. John K. Ryan, New York: Doubleday, 1952,p. 214.
(3)  Lord, Teach us to pray, p.249-51.
(4) Bíblia Sagrada: NTLH — Nova Tradução da Linguagem de Hoje. Barueri (SP): Sociedade Bíblica do Brasil, 2000. Salmo 119:97, 103.



Extraído de Foster, Richard. Oração: o refúgio da alma. São Paulo: Editora Vida, 2008, p.201-216.

Nenhum comentário:

Postar um comentário