quinta-feira, 27 de junho de 2019

A oração de intercessão

A oração de intercessão é o banho purificador no qual 
o indivíduo e a comunidade devem entrar todos os dias.
  Dietrich Bonhoeffer

Quando realmente amamos as pessoas, desejamos para elas mais do que lhes podemos dar, e isso nos leva a orar por elas. A intercessão é uma forma de amar o próximo.
A oração de intercessão é a oração altruísta.
Na obra contínua de Deus, nada é mais importante que a oração de intercessão. Hoje, as pessoas necessitam desesperadamente de qualquer ajuda que possamos lhes dar.  [...]  O povo em geral leva uma vida de desespero silencioso, sem propósito nem futuro. Entretanto, podemos fazer a diferença... se aprendermos  a orar em favor de outros.
A oração de intercessão é um ministério sacerdotal; e um dos ensinamentos mais desafiadores do Novo Testamento é o sacerdócio universal de todo cristão. Como sacerdotes, escolhidos e consagrados por Deus, temos a honra de chegar ao Sumo Sacerdote para interceder por outros.(1) Isso não é opção, e sim uma obrigação sagrada  - e um precioso privilégio - de todo o que toma o fardo de Cristo.
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Nem todos recebem o cargo de líder, mas todos nós temos de ser intercessores.
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Não estamos sozinhos no trabalho de intercessão. Jesus assumiu seu trabalho de Intercessor eterno perante o trono de Deus, e, em consequência, temos a capacidade de orar pelos outros com uma autoridade inteiramente nova.(2) 
... oramos apenas por meio da fé - Jesus Cristo, nosso eterno Intercessor, é responsável por nossa vida d oração.
"Pois existe um só Deus e uma só pessoa que une Deus com os seres humanos - o ser humano Cristo Jesus."(3) Ele fortalece e purifica nossa intercessão fraca e mal direcionada e a torna aceitável perante o santo Deus... as orações de Jesus sustentam nosso desejo de orar, dando-nos vontade e esperança de sermos atendidos. A visão de jesus nessa intercessão espiritual nos dá força para orar em seu nome.
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Orar em nome de Jesus significa a segurança de que a grande obra de Cristo está completa. Donald Bloesch escreveu:
Orar em nome de Cristo significa orar com a consciência de que nossas orações não são dignas nem eficazes sem o sacrifício de expiação e a mediação redentora. [...] Significa reconhecer, na falta de sua mediação e intercessão, nossa completa impotência.(4)
Orar em nome de Jesus significa que estamos orando de acordo com a maneira e a natureza de Cristo. Significa que estamos realizando as intercessões que ele faria se estivesse em nosso lugar. Logo, o conteúdo e o caráter de nossa oração devem estar, necessariamente, unidos à natureza de Cristo.
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A expressão "permanecerem em mim"(5)  é uma condição para ser um verdadeiro intercessor.
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Quando vivemos dessa maneira, desenvolvemos o que Thomas à Kempis chama "familiar amizade com Jesus". 
À medida que nos aprofundamos no caminho de Cristo, podemos sentir o aroma do evangelho. Então, passamos a pedir e a fazer o que sabemos que ele pediria e faria.
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Agostinho escreve: "A oração é a intercessão pelo bem-estar do próximo perante Deus". Por meio da oração de intercessão, Deus entrega a cada um de nós um convite personalizado, feito à mão, para que fiquemos intimamente envolvidos com a obra do bem-estar do próximo.


(1) Bíblia Sagrada: NTLH — Nova Tradução da Linguagem de Hoje. Barueri (SP): Sociedade Bíblica do Brasil, 2000. 1 Pedro 2:9. "Mas vocês são a raça escolhida, os sacerdotes do Rei, a nação completamente dedicada a Deus, o povo que pertence a ele. Vocês foram escolhidos para anunciar os atos poderosos de Deus, que os chamou da escuridão para a sua maravilhosa luz."   
(2) Idem. Romanos 8:34 - "foi Cristo Jesus quem morreu, ou melhor, quem foi ressuscitado e está à direita de Deus. E ele pede a Deus em favor de nós."  Hebreus 7:25 - "porque Jesus vive para sempre a fim de pedir a Deus em favor delas."

(3) Idem. 1 Timóteo 2:5.

(4) The Struggle of Prayer, p.36-7.
(5) Permanecer no sentido de estar unido. Bíblia Sagrada: NTLH — Nova Tradução da Linguagem de Hoje. Barueri (SP): Sociedade Bíblica do Brasil, 2000. João 15:7. "Se vocês ficarem unidos comigo, e as minhas palavras continuarem em vocês, vocês receberão tudo o que pedirem."

Extraído de Foster, Richard. Oração: o refúgio da alma. São Paulo: Editora Vida, 2008, p. 267-280.




sexta-feira, 21 de junho de 2019

A oração de petição

Você sabe por que o todo-poderoso Deus do Universo gosta de responder às orações? Porque seus filhos pedem. Deus se agrada de nossos pedidos. Ele tem prazer em ouvir nossos pedidos. O coração divino se comove com os nossos pedidos.
Quando pedimos algo para nós mesmos, chamamos a isso "petição"; quando pedimos alguma coisa em favor de outros, chamamos a isso "intercessão". O pedido está no âmago das duas experiências.
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A oração de petição sempre se fará presente em nossa vida porque somos eternamente dependentes de Deus. 
Quando os discípulos pediram instruções sobre como orar, Jesus ensinou-lhes a oração mais completa, que chamamos "pai-nosso", essencialmente uma oração de petição.
... por que devemos pedir a Deus, se ele já conhece nossas necessidades? A resposta mais direta a essa pergunta é simplesmente: Deus gosta de atender aos nossos pedidos. Temos prazer em que  nossos filhos peçam coisas que já sabemos que eles precisam porque o pedido fortalece e aprofunda o relacionamento. P.T. Forsyth observa: "O amor gosta de ouvir o que já sabe. [...] Ele quer que peçam o que ele deseja dar". (1)
Deus deseja o diálogo autêntico e que, quando expressamos o que está em nosso coração, estamos dando a informação em que Deus está interessado.
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Não compartilhar nossas necessidades mais profundas consiste em falsa humildade. O coração de Deus fica magoado com nossa reticência. Assim como queremos que nossos filhos nos contem os mínimos detalhes do dia deles na escola, Deus deseja ouvir tudo sobre nossa vida. Ele se agrada quando a compartilhamos com ele.
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O pai-nosso é uma oração completa. Abrange o mundo inteiro, desde o Reino que vem a nós até o pão de cada dia. 
Essa oração é consagrada a Deus em cada contexto concebível. É uma oração que alcança todas as pessoas em todas as épocas e lugares.
O pai-nosso é uma oração essencialmente petitória. A adoração aparece no começo e no fim, mas a petição está presente em toda a oração. Dos sete pedidos feitos perfeitamente, três estão relacionados com a petição pessoal. Essas três solicitações podem ser resumidas em três verbos: "dar", "perdoar" e "livrar".
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Sem a oração petitória, teremos uma vida de oração incompleta. Devo lembrar-me, de uma vez por todas, de quanto Deus tem prazer em nosso pedido, buscando uma desculpa para nos dar alguma coisa.


Peçam e vocês receberão; procurem e vocês acharão; batam, e a porta será aberta para vocês.
Porque todos aqueles que pedem recebem; aqueles que procuram acham; e a porta será aberta para quem bate.(2) 


(1) Soul of prayer, p.63.
(2) Bíblia Sagrada: NTLH — Nova Tradução da Linguagem de Hoje. Barueri (SP): Sociedade Bíblica do Brasil, 2000. Mateus 7:7-8.


Extraído de Foster, Richard. Oração: o refúgio da alma. São Paulo: Editora Vida, 2008, p. 251-265.

quarta-feira, 19 de junho de 2019

A oração meditativa

Você já viu alguma vez uma vaca ruminando? Esse pacato animal enche o estômago com grama e outros alimentos. Então se deita tranquilamente e dá início ao processo de regurgitação, reprocessando a comida com lentos movimentos da boca.
O mesmo acontece com a oração meditativa. A verdade sobre a qual refletimos passa da boca para a mente e depois desce ao coração, onde, por meio da tranquila ruminação, produz naquele que ora uma reação de fé e amor.
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Devemos ter a mente ocupada e disciplinada pelas Escrituras antes de podermos, com real benefício, chegar à presenças do Santo numa comunhão direta.
Todos os mestres devocionais d história da Igreja consideram a meditatio Scripturarum, a "meditação nas Escrituras", o referencial básico para todas as outras formas de meditação.
Na oração meditativa, A Bíblia deixa de ser uma coletânea de citações para se tornar as maravilhosas "palavras de vida" que nos conduzem à Palavra da vida. Isso difere até mesmo do estudo das Escrituras. Enquanto o estudo das Escrituras se concentra na exegese, a meditação das Escrituras procura internalizar e personalizar o texto. A Palavra escrita transforma-se em palavra viva dirigida a nós.
É quando deixamos de lado qualquer traço de arrogância e, com humildade de coração, recebemos a mensagem que nos está sendo comunicada.
Dietrich Bonhoeffer diz:
Assim como você não analisa as palavras de alguém que você ama, aceitando-as como lhe são ditas, aceite a Palavra das Escrituras e medite nelas, como fez Maria. Isso é tudo. Isso é meditação.(1)
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Na meditação experimentamos o que Soren Kierkegaard denomina "contemporaneidade" das Escrituras. O passado não é paralelo: ele cruza com o presente. 
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A maneira mais simples e básica de meditar num texto das Escrituras é pela imaginação.
Trata-se de um auxílio extraordinário quando nos debruçamos sobre o texto das Escrituras, porque desejamos ver, ouvir e tocar a narrativa bíblica.
Saímos da observação imparcial para a participação ativa.
O próprio Jesus pensava dessa maneira, fazendo constantes apelos à imaginação em suas parábolas. 
Teresa de Ávila, em seu Livro da vida, diz: 
Como não podia discorrer com o entendimento, procurava representar Cristo dentro de mim. [...] Destas simplicidades tinha eu muitas. [...] Tenho para mim que assim a minha alma ganhou muito, porque comecei a praticar a oração sem saber que coisa era.(2)

O uso da imaginação também possui a virtude de acrescentar emoções à equação. Assim, podemos nos aproximar de Deus com o coração e coma a mente.
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Acreditar  que Deus pode santificar e usar a nossa imaginação corresponde a levar a sério a ideia cristã da encarnação. Deus está tão conformado, tão incorporado ao nosso mundo, que utiliza as imagens que conhecemos e entendemos para nos ensinar acerca do mundo invisível, do qual sabemos e entendemos muito pouco.
Na meditação cristã, procuramos viver a experiência das Escrituras. Alexander Whyte diz:
Você abre seu Novo Testamento [...] E nesse momento imagina que é um dos discípulos de Cristo, no mesmo lugar que eles, e que está aos és dele [...] com sua imaginação ungida com óleo santo [...] numa hora, você é o publicano; em outro momento, é o filho pródigo [...] numa hora, você é Maria Madalena; em outro momento é Pedro no pórtico do templo.(3)
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Lembre-se, na oração meditativa Deus está sempre se dirigindo à nossa vontade. 
Na oração meditativa, não há perda de identidade, nem fusão com a consciência cósmica, nem mirabolantes viagens astrais. Em vez disso, somos convocados à obediência que transforma a vida, porque nos encontramos com o Deus vivo de Abraão, Isaque e Jacó. Cristo está de fato presente entre nós para nos curar, perdoar, transformar e revestir de poder.
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Lectio divina é uma forma de leitura na qual a mente desce ao coração e ambos são envolvidos pela bondade e pelo amor de Deus.
Estamos ouvindo com o coração o Espírito Santo dentro de nós. Essa piedosa leitura, como a podemos chamar, nos edifica e nos fortalece.
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Na oração meditativa, Deus se dirige a nós pessoalmente. Nada do que acontece é causado por nós. De fato, até mesmo o desejo de ter contato com a voz de Deus é uma obra divina em nosso coração, pois somos inclinados a nos esconder dele.

"Como eu amo a tua leiPenso nela o dia todo. 
Como são doces as tuas palavras! São mais doces do que o mel."(4)

(1)  Bonhoeffer, Dietrich. The Way To Freedom. New York: Harper & Row, 1966, p.59.
(2) Como citado em Lynn, J. Radcliffe, Making Prayer Real. John K. Ryan, New York: Doubleday, 1952,p. 214.
(3)  Lord, Teach us to pray, p.249-51.
(4) Bíblia Sagrada: NTLH — Nova Tradução da Linguagem de Hoje. Barueri (SP): Sociedade Bíblica do Brasil, 2000. Salmo 119:97, 103.



Extraído de Foster, Richard. Oração: o refúgio da alma. São Paulo: Editora Vida, 2008, p.201-216.

quarta-feira, 12 de junho de 2019

A oração do coração

" O coração fala ao coração." - John Henry Newman

A oração do coração é caracterizada pela intimidade. É a oração de amor e ternura, como de uma criança a Deus Pai.(1) Assim como a galinha, que acolhe seus pintinhos debaixo das asas, nós, pela oração do coração, permitimos que Deus nos aproxime dele - para nos guardar, afagar e amar (2)
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Uma das primeiras coisas que nos chamam a atenção quando lemos os Evangelhos é a intimidade profunda e pessoal que Jesus experimentava e demonstrava ter com o Pai. De fato, a ideia de Deus como Pai não é nova. O salmista declara: "Como um pai trata com bondade os seus filhos, assim o Senhor é bondoso para aqueles que o temem"(3).  No livro de Oséias, Deus descreve a si mesmo como um pai que toma o filho nos braços, que o conduz "com laços de amor e de carinho" e que se inclina para alimentá-lo(4).
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Não é a imagem paterna ou materna de Deus que nos surpreende quando lemos os Evangelhos: é o convite para nos dirigirmos a Deus por uma vereda íntima e pessoal jamais explorada. 
Ele disse simplesmente: "Quando vocês orarem, digam: 'Pai'!..." (5)
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Somos incentivados a nos achegar no regaço do Pai e receber dele amor, conforto, cura e força. Ali, podemos rir e chorar sem nenhum impedimento. Podemos ser abraçados e encontrar consolo em seus braços. Podemos adorá-lo com toda a intensidade de nosso espírito. 
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O que vem a ser essa oração do coração? Trata-se tão somente do Espírito Santo a orar dentro de nós... é o Espírito Santo quem cria essa oração e é ele que a sustém. 
A oração do coração significa que chegamos ao nosso limite. Tentamos achar as palavras certas, mas não as encontramos.
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Somos conduzidos pelo Espírito às profundezas da intimidade, onde nos tornamos "como uma poça de água perfeitamente capaz de refletir o Sol".(6) 
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De fato, nossa participação é mais passiva, mas às vezes isso é tudo o que podemos suportar.
Mesmo quando alguém descansa no Espírito, isso pode muito bem significar uma comunhão interior e profunda mais ativa e participativa que em qualquer outro momento. 
O certo é que estamos orando, talvez orando mais do que nunca.
Sentimo-nos mais apaixonados por Deus, mais desejosos de sua presença, mais dispostos a conhecer seus caminhos. Tendo Deus como nossa companhia, estaremos sempre preparados para fazer face a tudo o que exija nossa atenção: aguardamos com real interesse as reuniões, adiantamos o trabalho com nossos parceiros, aguardamos ansiosos a hora de estar com o cônjuge e os filhos. Esses são aspectos comuns da oração do coração.
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O caminho principal para a oração do coração é o amor simples. O amor é a resposta do coração à irresistível bondade de Deus, que nos permite simplesmente chegar e falar com ele honestamente, sem rodeios. 
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É certo que temos ordem para amar a Deus de todo o nosso coração, de toda a nossa alma, de toda a nossa mente e de todas as nossas forças...convide Deus para acender uma chama de amor em seu íntimo.
"Abba, eu pertenço a você!"

A oração do coração nos exorta a não esconder absolutamente nada de Deus e a nos entregar incondicionalmente a sua misericórdia.
Assim, a oração do coração é a oração da verdade. Desmascara as muitas ilusões sobre nós mesmos e sobre Deus e nos conduz ao verdadeiro relacionamento do pecador com o Deus misericordioso.
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Há três características da oração do coração que nos ajudam:

*A oração do coração alimenta-se de orações breves e simples.
João Clímaco aponta que:

"Quando orar, não procure se expressar em palavras extravagantes, pois, quase sempre, são as frases simples e repetitivas de uma criancinha que nosso Pai do céu acha mais irresistíveis. Não se esforce em muito falar, para que a busca de palavras não lhe distraia a mente da oração. Uma única frase nos lábios do coletor de impostos foi suficiente para lhe alcançar a misericórdia divina; um pedido humilde feito com fé foi suficiente para salvar o bom ladrão. A tagarelice na oração sujeita a mente à fantasia e à dissipação; por sua natureza, as palavras simples tendem a concentrar a atenção. Quando encontrar satisfação ou contrição em determinada palavra de sua oração, pare nesse ponto".

"Ó Deus, vem em meu auxílio!"

"Jesus, mestre, tem piedade de mim!"

Essa oração simples, repetida com facilidade, esvazia aos poucos nossa vida interior apinhada e cria o espaço sossegado onde habitamos com Deus. É como uma escada pela qual descemos ao coração e subimos a Deus. Nossa escolha de palavras depende de nossas necessidades e das circunstâncias do momento, mas é melhor usar palavras da Escritura.
Quando somos fiéis a essa oração simples e a praticamos com regularidade, ela nos conduz devagar a uma experiência de descanso e nos abre à presença ativa de Deus.

*A oração do coração é incessante.(7)

*A oração do coração inclui tudo.
Ela inclui todos os nossos interesses. Quando entramos com a mente no coração e ali ficamos na presença de Deus, então todas as nossas preocupações mentais se transformam em oração.

Essas características da oração do coração deixam claro que ela exige uma disciplina pessoal. 



(1) A oração do coração é às vezes chamada de "oração abba". 
(2) Bíblia Sagrada: NTLH — Nova Tradução da Linguagem de Hoje. Barueri (SP): Sociedade Bíblica do Brasil, 2000. Lucas 13:34
(3) Ibidem. Salmo 103:13.
(4) Ibidem. Oséias 11:1-4.
(5) Ibidem. Lucas 11:2.
(6) Kenneth Swanson, Uncommon Prayer: Approaching intimacy with God, p.211-2.


Extraído de: 
Foster, Richard. Oração: o refúgio da alma. São Paulo: Editora Vida, 2008, p.185-200.

Nouwen, Henri. A Espiritualidade do Deserto e o Ministério Contemporâneo - O Caminho do Coração. São Paulo: Ed. Loyola, 2000.

quarta-feira, 5 de junho de 2019

A oração incessante

"Quando o Espírito vem fazer morada em alguém, a pessoa 
não consegue parar de orar, pois o Espírito ora nela sem cessar. 
Não importa se ela está dormindo ou acordada, 
a oração é ativa em seu coração o tempo todo. 
Comendo ou bebendo, descansando ou trabalhando, 
o incenso da oração ascende espontaneamente de seu coração. 
O mais insignificante movimento de seu coração 
é como uma voz que canta em silêncio e em secreto ao Invisível". 
- Isaque, o Sírio.

O irmão Lourenço diz: "Não há no mundo um modo de viver mais agradável e pleno que o diálogo contínuo com Deus". Juliana de Norwich é bem direta: "A oração une a alma a Deus". Calisto, sacro escritor bizantino, ensina: "A oração incessante consiste numa incessante invocação do nome de Deus".
Talvez esse estilo de vida lhe pareça impossível ou você nem mesmo o deseje. A vida em si já é bastante complicada. Além do mais, parece algo incrivelmente dificultoso. Ninguém consegue pensar em Deus o tempo todo.
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A expectativa de Deus não é que você mergulhe de imediato no oceano da comunhão constante e fique nadando de um continente para outro. Aprofundamo-nos nessas águas por meio de um processo compreensível e prático que envolve experiências de vida... a intimidade só pode ser desenvolvida pela regularidade.
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"Orem sempre", ordena o apóstolo Paulo (1)... Jesus contou algumas parábolas sobre o tema da oração para mostrar que devemos"orar sempre e nunca desanimar" (2)
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Vivemos ofegantes em meio a intermináveis afazeres, com a mente dispersa e o coração inquieto. Sentimo-nos exaustos, ansiosos, sem ânimo. Temos dificuldades para nos manter concentrados numa única coisa. Somos gente distraída.
A oração incessante tem meios de articular a paz em meio ao caos, e começamos a experimentar um pouco da paciência cósmica de Deus. Nossas atividades fragmentárias começam a se consolidar em torno de um novo centro de referência. Então, experimentamos paz, estabilidade, serenidade e constância na orientação para a vida.
No entanto, isso não acontece de maneira automática. Devemos desejar essa condição, e desejá-la com paixão ardente. 
... os cristãos desenvolveram duas formas fundamentais de oração incessante.Uma delas é mais formal e litúrgica; a outra, é mais coloquial e espontânea. A primeira teve origem na tradição hesicasta do cristianismo oriental, e é geralmente chamada de oração aspirativa ou oração do fôlego.(3) O conceito tem suas raízes nos salmos, em que uma frase repetida nos faz lembrar o salmo inteiro. Por exemplo: "Ó Senhor Deus, tu me examinas e me conheces"(4). Como resultado, surgiu o conceito de uma petição breve e simples, que podia ser emitida de um só fôlego, daí o nome "oração aspirativa".
A mais famosa oração aspirativa é a oração citada por Jesus: "Ó Deus, tem pena de mim, pois sou pecador".(5)
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Observe a brevidade de cada uma dessas orações - algumas não têm mais que dez sílabas. Observe também o sentido de proximidade e intimidade. Deus está envolvido de uma forma muito próxima, pessoal. Observe ainda como a pessoa que ora expressa dependência, docilidade, autenticidade - o oposto da autoconfiança.
Estamos pedindo a Deus que nos mostre sua vontade, seu caminho, sua verdade em relação àquilo de que necessitamos. 
... faça sua oração aspirativa sempre que for possível. Permita que Deus plante essa oração no mais profundo de seu ser.
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A segunda maior expressão da oração incessante está associada com aqueles que oram enquanto exercem sua profissão, como o irmão Lourenço e Frank Laubach. Seu método extremamente simples consiste em manter uma jubilosa consciência da presença de Deus durante as atividades do dia a dia, com orações sussurradas de adoração e louvor a fluir continuamento do coração. O irmão Lourenço, que se referia a si mesmo como "senhor de todas as panelas e frigideiras", cristalizou essa ideia em seu famoso comentário:
A hora do trabalho não difere da hora da oração. E, em meio ao vozerio e ao barulho de pratos em minha cozinha, enquanto várias pessoas pedem diversas coisas ao mesmo tempo, desfruto a intimidade com Deus num estado de grande tranquilidade, como se eu estivesse de joelhos recebendo o sacramento.
... essa vida de comunhão inquebrantável não é automática nem pode ser conseguida sem esforço. Isso não deve nos surpreender. Qualquer coisa que valha a pena demanda esforço...como tudo mais que entendemos estar envolvido no processo; um passo de cada vez.

(1)  Bíblia Sagrada: NTLH — Nova Tradução da Linguagem de Hoje. Barueri (SP): Sociedade Bíblica do Brasil, 2000. 1 Tessalonicenses 5:17.
(2) Idem. Lucas 18:1.
(3) As palavras "hesicasta" e "hesicasmo" provêm do termo grego que significa "tranquilidade", "paz". O hesicasmo é uma forma cristã de viver a vida espiritual, cujas raízes estão nos primeiros eremita, que fugiram para as regiões desérticas do Egito e da Síria, no século IV. No século XIV, houve um renascimento do hesicasmo entre os monges do monte Atos, e desde essa época o sistema está associado à ortodoxia oriental.
(4) Bíblia Sagrada: NTLH — Nova Tradução da Linguagem de Hoje. Barueri (SP): Sociedade Bíblica do Brasil, 2000. Salmo 139:1.
(5) Idem. Lucas 18:13.



Extraído de Foster, Richard. Oração: o refúgio da alma. São Paulo: Editora Vida, 2008, p.169-179.