quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Os buscadores e as buscadoras de Deus (VII)

Os buscadores e as buscadoras de Deus procuraram e encontraram a Deus, cada qual em seu próprio contexto de vida. Eles apresentam diversas situações a partir das quais o ser humano é interpelado por Deus.

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Paul Claudel (1868-1955), cresceu em um mundo no qual imperava o ceticismo. Somente a matéria tinha valor. Cada artista ou literato era livre-pensador. Desprezavam a fé e se posicionavam hostilmente contra a Igreja. A ciência explicava a fé como retrógrada. Paul Claudel, como jovem, seguiu o espírito do tempo. Contudo, as leituras de livros de Arthur Rimbaud fez brotar uma centelha de transcendência em sua vida, o que ele descreveu como um estado de atordoamento e de desespero. Em meio a esses sentimentos, ele foi participar da grande missa de Natal no dia 25 de dezembro de 1886, não por interesse religioso, mas para obter estímulos para sua ocupação como escritor... durante a tarde, ele foi novamente para as Vésperas de Natal na Igreja Notre Dame de Paris. Quando o coral de meninos entoou o Magnificat, seu coração foi trespassado e ele acreditou, de um momento para o outro. No centro dessa fé encontrava-se a experiência da eterna filiação de Deus e o sentimento de inocência. O amor de Deus envolveu-o e modificou-lhe a vida. Ele já não se sentia atordoado e desesperado, mas amado e acolhido por Deus... Precisou de muitos anos até que chegasse a harmonizar seu coração e sua mente. Existem sempre outros caminhos nos quais Deus nos toca o coração. Para uns, é a Palavra de Deus; para outros, um canto ou o desenrolar-se da liturgia, a atmosfera de um culto que os tocam e deixam penetrar em seus corações a certeza de que esses ritos não caem no vazio. É conhecido como representante da "renovação católica", do movimento de renovação francês. Sua obra poética vive do catolicismo.

 Minha conversão
Minha conversão deu-se no dia 25 de dezembro de 1886. Embora eu proviesse, de ambos os lados, de uma linhagem de pessoas que acreditavam, que providenciaram para a Igreja uma série de sacerdotes, minha família era indiferente  quanto à religião e, desde nossa mudança para Paris, mostrava-se absolutamente insensível a tudo o que dizia respeito à fé.
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Aos dezoito anos, portanto, eu acreditava no que a maioria das pessoas pretensamente instruídas daquele tempo acreditava. A grande ideia do individualismo e da verdade encarnada havia-se enfraquecido em mim... eu levava uma vida imoral e caía gradualmente em uma situação de desespero. A morte de meu avô, a quem vi languescer por meses a fio, devido a um câncer de estômago, infundiu-me um profundo medo; a partir de então, a ideia da morte já não me abandonou.
Tudo o que dizia respeito à religião, eu havia esquecido completamente, e a este respeito eu achava-me na situação da ignorância de um selvagem. Uma primeira réstia da verdade penetrou-me pelo contato com os livros de um grande poeta - Arthur Rimbaud. 
...encontrava-se na Igreja de Notre Dame de Paris, para ali acompanhar a Grande Missa do Natal... A seguir, visto que não tinha nada melhor a fazer, voltei para as Vésperas... Eis que aconteceu o fato que deveria ser determinante para toda a minha vida. Em um instante, meu coração foi aferrado, eu acreditei. Eu acreditei com um assentimento interior tão vigoroso, todo o meu ser foi imediatamente convulsionado com violência, acreditei com tão forte convicção, com certeza tão indescritível, que não sobrou nenhum espaço para a menor dúvida, que a partir desse dia, todos os livros, todos os raciocínios, todas as vicissitudes de uma vida agitada não conseguiram abalar minha fé, nem sequer tocá-la. [...] É verdade! Deus existe, Ele está aí. É alguém, é um ser tão pessoal quanto eu! Ele me ama, Ele me chama. Lágrimas e soluços dominaram-me... O edifício de minhas opiniões e conhecimentos não desmoronou; não descobri nele nenhuma falha. Apenas uma coisa aconteceu: eu fui retirado dele! Um novo e poderoso ser se revelara, com desafios terríveis, ao jovem ser humano e artista que eu era; no entanto, eu não entendia como harmonizá-lo com o que quer que fosse daquilo que me rodeava.
... Essa resistência durou longos quatro anos... Foi a grande crise de minha vida, aquela peleja espiritual de vida ou de morte, sobre a qual Rimbaud havia escrito: o combate espiritual é igualmente tão brutal quanto a luta dos seres humanos. Dura noite! 
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E, ainda na noite daquele memorável dia em Notre Dame, depois que eu voltara para casa, pelas ruas molhadas de chuva, que agora me pareciam completamente estranhas, eu havia tomado de uma Bíblia protestante que uma família alemã tinha dado anteriormente à minha irmã Camille, e pela primeira vez percebi o som daquela voz suave, porém, inquebrantável, que desde então incessantemente ecoa em meu coração.

A fissura e a liberdade
Mas, por que Deus deu, pois, esta liberdade ao ser humano, quando Ele, no entanto, previa que cada um faria mau uso dela?
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Em cada ser, Ele colocou uma força que corresponde à sua natureza e é necessária para sua eficácia.
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Quem está submetido a uma ordem não é livre; quem optou por ficar sob todas as ordens possíveis outra coisa não pode ser senão livre, pois sua escolha já não é determinada pela necessidade, mas por um comprazimento racional no melhor.

“Deus é Aquele que, em mim, é mais eu do que eu mesmo.”




Extraído de Grün, Anselm. O encontro com Deus: experiências de fé de grandes nomes da História. 2. ed. Petrópolis, RJ : Vozes, 2014. p. 22-24, 139-146.

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