sábado, 31 de dezembro de 2016

Em construção - Papa Francisco


"Durante a nossa vida causamos transtornos na vida de muitas pessoas, porque somos imperfeitos.
Nas esquinas da vida, pronunciamos palavras inadequadas, falamos sem necessidade, incomodamos.
Nas relações mais próximas, agredimos sem intenção ou intencionalmente.
Mas agredimos.
Não respeitamos o tempo do outro, a história do outro.
Parece que o mundo gira em torno dos nossos desejos e o outro é apenas um detalhe.
E, assim, vamos causando transtornos.
Esses tantos transtornos mostram que não estamos prontos, mas em construção.
Tijolo a tijolo, o templo da nossa história vai ganhando forma.
O outro também está em construção e também causa transtornos.
E, às vezes, um tijolo cai e nos machuca.
Outras vezes, é a cal ou o cimento que suja nosso rosto.
E quando não é um, é outro.
E o tempo todo nós temos que nos limpar e cuidar das feridas, assim como os outros que convivem conosco também têm de fazer.
Os erros dos outros, os meus erros.
Os meus erros, os erros dos outros.
Esta é uma conclusão essencial:
Todas as pessoas erram.
A partir dessa conclusão, chegamos a uma necessidade humana e cristã: o perdão.
Perdoar é cuidar das feridas e sujeiras.
É compreender que os transtornos são muitas vezes involuntários.
Que os erros dos outros são semelhantes aos meus erros e que, como caminhantes de uma jornada, é preciso olhar adiante.
Se nos preocupamos com o que passou, com a poeira, com o tijolo caído, o horizonte deixará de ser contemplado.
E será um desperdício.
O convite que faço é que você experimente a beleza do perdão.
É um banho na alma!
Deixa leve!
Se eu errei, se eu o magoei, se eu o julguei mal, desculpe-me por todos esses transtornos…
Estou em construção!"

Papa Francisco

Só sementes

Para refletir:

"Um rapaz entrou numa Loja e viu um senhor no balcão.
Maravilhado com a beleza do lugar, perguntou:
- Senhor, o que se vende aqui?
- Os dons de Deus. Respondeu-lhe o senhor.
- Quanto custam? - voltou a perguntar.
- Não custam nada. Aqui tudo é de graça!
O rapaz contemplou a Loja e viu que haviam jarros de amor, vidros de fé, pacotes de esperança, caixinhas da salvação, muita sabedoria, fardos de perdão, pacotes grandes de paz e muitos outros dons.
O rapaz, maravilhado com tudo aquilo, pediu:
- Por favor, quero o maior jarro de amor, todos os fardos de perdão e um vidro grande de fé, para mim,  meus amigos e família.
Então o senhor preparou tudo e entregou-lhe um pequeno embrulho que cabia na palma da sua mão.
INCRÉDULO, o rapaz disse:
- Mas como pode estar aqui tudo o que pedi?
Sorrindo, o gentil senhor lhe respondeu:
- Meu respeitável Irmão, na Loja de Deus não entregamos frutos! Só Sementes!! Plante-as !!!"


quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Solidão - Henri Nouwen

"Solidão é a fornalha da transformação.
Sem a solidão permanecemos vítimas de nossa sociedade e continuamos a ficar presos no emaranhado de ilusões de nosso "falso eu".

Jesus mesmo entrou nesta fornalha. 
Ali ele foi tentado com as três compulsões do mundo: 
ser relevante ("transforme pedras em pães"),
ser espetacular ("atire-se de cima") e
ser poderoso ("eu lhe darei todos os reinos").
Ali ele afirmou Deus como única fonte de sua identidade ("Adore o Senhor, o seu Deus e só a ele preste culto").

A solidão é o local da grande luta e do grande encontro - a luta contra as compulsões do "falso eu", e o encontro com o Deus de amor que oferece a si mesmo como a substância do novo "eu"...

Na solidão eu me livro das minhas muletas: não há amigos para conversar, não há telefonemas para fazer...

A missão é permanecer em minha solidão, permanecer em minha cela até que todos os meus sedutores visitantes cansem-se de bater em minha porta e deixem-me sozinho."


quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Sobre oração - Madre Teresa de Calcutá

"Eu sempre começo minha oração em silêncio, pois é no silêncio do coração que Deus fala.
Deus é amigo do silêncio - precisamos ouvir a Deus porque não é o que nós dizemos, mas o que Ele diz através de nós que importa.
A oração alimenta a alma - assim como o sangue é para o corpo, a oração é para a alma - e ela traz mais para perto de Deus.
Ela também lhe dá um coração limpo e puro.
Um coração limpo pode ver
Deus e pode ver o amor de Deus nos outros." 

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Um Pássaro na Gaiola - Madame Guyón

Sou um passarinho, sem campos, sem ar
Na minha gaiola sento-me a cantar
Para Quem aqui me aprisionou.
Bem satisfeito prisioneiro sou
E assim, meu Deus, quero Te agradar.
Aqui, nada tendo para realizar,
Todo o longo dia só posso cantar.
As minhas asas Ele amarrou,
Mas o meu canto muito O agradou,
Ainda Se curva pra me escutar.
Tu tens paciência para me escutar,
E um coração pronto para a mim amar.
Gostas de ouvir meu rude louvor
Pois sabes que o amor, quão doce amor!
Inspira todo esse meu cantar.
Preso na gaiola não posso sair,
Mas minha prisão não pode me impedir
A liberdade do coração
Que sempre voa em Tua direção,
Minh´alma livre, a Ti vai se unir.
Oh! Que gozo imenso poder me elevar
Para as alturas a Ti contemplar.
Tua vontade e desígnio amar
Minha alegria neles encontrar,
Livre, em Teus braços me aconchegar

Vivo sem Viver em Mim - Teresa de Ávila

Vivo sem viver em mim 
E tão alta vida espero, 
Que morro por não morrer.  

Vivo já fora de mim, 
Depois que morro de amor, 
Porque vivo no Senhor, 
Que me quis só para si. 
Meu coração lhe ofereci 
Pondo nele este dizer: 
Que morro por não morrer. 

Esta divina prisão 
Do amor em que hoje vivo, 
Tornou Deus o meu cativo 
E livre meu coração. 
E causa em mim tal paixão 
Deus meu prisioneiro ver, 
Que morro por não morrer. 

Ai, que longa é esta vida!
Que duros estes desterros!
Esta prisão, estes ferros 
Em que a alma está metida! 
Só esperar a saída 
Causa em mim tanto sofrer, 
Que morro por não morrer.  

Ai, que vida tão amarga, 
Sem se gozar o Senhor!
Porque, se é doce o amor, 
Não é a esperança larga. 
Tire-me Deus esta carga, 
Pesada a mais não poder, 
Que morro por não morrer.  

Somente com a confiança 
Vivo de que hei de morrer, 
Porque, morrendo, o viver 
Me assegura minha esperança. 
Oh morte que a vida alcança, 
Não tardes em me aparecer, 
Que morro por não morrer.  

Olha que o amor é forte: 
Vida, não sejas molesta; 
Para ganhar-te só te resta 
Perder-te, sem que me importe. 
Venha já a doce morte, 
Venha já ela a correr, 
Que morro por não morrer.  

A vida no alto cativa, 
Que é a vida verdadeira, 
Até que esta não nos queira, 
Não se goza estando viva. 
Não me sejas, morte, esquiva; 
Só pela morte hei de viver, 
Que morro por não morrer.  

Como, vida, presenteá-lo, 
O meu Deus que vive em mim, 
se não perdendo-te a ti, 
para melhor poder gozá-lo? 
Quero, morrendo, alcançá-lo, 
Pois só dele é meu querer: 
Que morro por não morrer. 

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Oração do Milho - Cora Coralina

Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres.
Meu grão, perdido por acaso, nasce e cresce na terra descuidada. 

Ponho folhas e haste e se me ajudares Senhor, mesmo planta de acaso, solitária, dou espigas e devolvo em muitos grãos, o grão perdido inicial, salvo por milagre, que a terra fecundou.
Sou a planta primária da lavoura.
Não me pertence a hierarquia tradicional do trigo. 

E de mim, não se faz o pão alvo, universal.
O Justo não me consagrou Pão da Vida, nem lugar me foi dado nos altares.
Sou apenas o alimento forte e substancial dos que trabalham a terra, onde não vinga o trigo nobre.


Sou de origem obscura e de ascendência pobre. 

Alimento de rústicos e animais do jugo.
Fui o angu pesado e constante do escravo na exaustão do eito.
Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante. 

Sou a farinha econômica do proletário.
Sou a polenta do imigrante e a miga dos que começam a vida em terra estranha.
Sou apenas a fartura generosa e despreocupada dos paiois.

Sou o cocho abastecido donde rumina o gado
Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que amanhece.
Sou o carcarejo alegre das poedeiras à volta dos seus ninhos.

Sou a pobreza vegetal, agradecida a Vós, Senhor, que me fizeste necessária e humilde
Sou o milho.



E eu, quem sou???



segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Pobre moço rico - Letra e Música de Vavá Rodrigues e Gladir Cabral Interpretação de João Alexandre





Lá vai aquele moço rico lançando as uvas no lagar
Rebanhos, propriedades, posses, tem tudo que pôde alcançar
Lá vai o pobre moço rico deseja ainda realizar
O sonho de ter vida eterna com o Mestre ele vai conversar

“Meu Senhor, a tua bondade tem mais doçura que um canavial
E a voz da tua verdade mostra o que é correto e denuncia o mal
Diz, então, o que devo fazer para herdar a vida que é sem fim”
Disse o Mestre: obedece a lei com todo o amor e toda força em mim

O moço escutou atento e respondeu de prontidão
Guardava cada mandamento com rigorosa devoção
“Mas falta ainda uma coisa”, Jesus lhe disse com amor
“E essa coisa é que revela se em tua vida sou Senhor”

“Vende todo o vasto tesouro que tua mão um dia acumulou
E partilha tudo com os pobres e verás riqueza que jamais se achou
Depois vem e segue meus passos caminharemos juntos para a cruz
Eu serei de fato teu Mestre e tu, meu amigo”, respondeu-lhe Jesus

Esse moço, pobre moço se soubesse que o valor de amar
Amaria com vontade e ouviria essa voz lhe chamar
Esse moço, pobre moço andaria uma milha ou mil
Se entendesse que essa vida é bem mais que paixão juvenil


Pobre moço rico - Vavá Rodrigues e Gladir Cabral
Interpretação: João Alexandre
CD: Raízes do céus (faixa 06)

https://www.youtube.com/watch?v=dzNcW_5HUX0&app=desktop

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

"Maravilhosamente protegidos por bons poderes" - Dietrich Bonhoeffer

Bonhoeffer entrou para a história como um ser humano de extraordinária reflexão e fé, mesmo diante da iminência da morte, em 4 de abril de 1945, no campo de concentração de Flossenbürg.
A sua angústia enquanto esperava pelo fim  foi traduzida em poesia e lirismo fascinantes. 
Esta carta de Bonhoeffer, "Maravilhosamente protegidos por bons poderes", é o melhor exemplo disso. 



"Maravilhosamente protegidos por bons poderes,
consolados, aguardamos o que vier:
Deus está conosco à noite e pela manhã
e com certeza a cada novo dia.

Quando o silêncio se espalhar profundamente ao nosso redor,
permite que possamos ouvir aquele som repleto
do mundo, que de modo invisível se espraia em torno de nós,
do canto de louvor de todos os teus filhos.

E ao nos estenderes o pesado e amargo cálice,
cheio de sofrimento até sua mais alta borda,
nós o tomaremos, agradecidos e sem tremor,
de tua bondosa e amada mão.

Mas, se mais uma vez nos queres presentear alegria
neste mundo e em seu Sol brilhante,
queremos relembrar o que passou
e entregar-te toda a nossa vida.

Cercado de bons poderes em fieldade e quietude,
protegidos e maravilhosamente consolados,
assim quero viver estes dias com vocês
e caminhar com vocês na direção de um novo tempo."



domingo, 9 de outubro de 2016

SER O AMADO DE DEUS - Henri Nouwen


Um convite para a principal questão da vida espiritual


Muitas pessoas fazem sua avaliação pessoal como que dependentes de circunstâncias ou das opiniões externas. Henri Nouwen contrapõe esse modelo de vida com o espírito libertador do evangelho: a verdade sobre nossa vida vem única e tão somente de Deus.
...
Uma das perguntas que temos enquanto vivemos nossa pequena vida, é muito simples: quem sou eu? Uma simples e pequena pergunta. Talvez você nunca tenha se  colocado essa pergunta, encarada filosófica ou verbalmente. Mas pode ser que você descubra que muita coisa que faz ou deixa de fazer, pensa ou deixa de pensar, tenha a ver justamente e em alguma medida com esta pergunta: Quem sou eu?

Penso que há três respostas sobre isso, que sempre gostamos de mencionar aqui:

1 – Eu sou aquilo que eu faço.
      Pense em como é importante para nós o que nós fazemos. A gente se sente bem em fazer algo: "eu tenho vida, eu vivo!" Quando você faz algo de que se sente orgulhoso, você diz: "Veja isto aqui! Fui eu que fiz!" Se eu escrevo um livro e ele é publicado, eu digo: "Vejam isto! Este é meu livro! Eu realizei algo!" E eu me sinto bem em minha própria pele.
Quando as pessoas envelhecem elas dizem: "você talvez possa pensar que eu não realizei muitas coisas, mas olhe só estes troféus! Veja, eu fui um jogador de futebol, um jogador de tênis, um mestre aqui ou ali. Veja o que eu realizei em minha vida!" A gente fica feliz, porque essas realizações nos dão um sentimento de bem-estar.
Entretanto assim que a gente constate que não se pode mais realizar tantas coisas, ou quando as pessoas não nos valorizam tanto mais pelo que se faz, a gente logo se sente mal, deprimido, pessimista. E então, de repente, descobre-se como a gente é ou era dependente daquilo que se faz.

Uma outra resposta é:

2 – Eu sou o que os outros dizem a meu respeito.
      Será que isso atinge também a mim ou a você? É impressionante como nós somos sensíveis àquilo que as pessoas dizem ou escrevem a nosso respeito. Quando alguém nos diz durante o café da manhã: "Você é tolo" ou "o que você faz aí não vale a pena!", isso nos persegue e "fica mordendo" durante o dia todo: "Por que ele disse isso?" A gente se sente mal o dia todo quando alguém fala algo negativo. Aí a gente se sente realmente um tolo e incapaz. Isso nos machuca e não nos larga mais.
...
Você e eu, nós somos muito, muito sensíveis em relação àquilo que as pessoas dizem sobre nós. Nós somos extremamente preocupados com a nossa reputação. O que as pessoas dizem sobre nós nos faz estremecer e nos atinge bem no meio do coração.

A terceira resposta que nós temos:

3 – Eu sou o que eu tenho.
      O que é que eu tenho? Talvez uma boa casa, uma família da qual eu tenho orgulho; pai e mãe são legais. Tenho bons amigos. Tenho dinheiro. Ou eu tenho uma enormidade de relacionamentos. Tenho coisas bonitas. Tudo isso me dá um sentimento de bem-estar porque posso agir por mim mesmo. Em tendo alguma coisa, isso me dá liberdade e independência.
Porém, tão logo a gente perde essas coisas, percebe-se de repente, como no fundo se era dependente daquilo e de como é doloroso não ter mais tudo aquilo. Quando um amigo falece, quando se perde a casa, quando a família adoece, quando se perde dinheiro ou o emprego, então começam os problemas. A gente começa repentinamente a pensar de modo depreciativo de si mesmo.
De fato, as coisas acontecem assim: vivemos muitas vezes como se fôssemos o que fazemos, ou o que as pessoas dizem sobre nós, ou como se fôssemos o que nós temos.
...

Gostaria que olhasse para dentro de si;  sinta e entenda que sua vida muitas vezes consiste em altos e baixos; e nisso flui uma grande parte de nossa energia no esforço de se manter bem. Pessoas como médicos, assistentes sociais, psicólogos ou conselheiros prestam ajuda para que você consiga permanecer acima da linha imaginária – essa acaba sendo sua missão. Eles ajudam a manter a boa impressão a seu respeito. Dizem a você: "OK, isso pode ser ruim, mas amanhã pode voltar a ser melhor". "Isso ou aquilo não tem muito a ver, pois então vamos arranjar algo de útil para você fazer". "Você perdeu um amigo? Mas ainda há outras pessoas para ficar com você! As pessoas falam mal de você? Mas outras pessoas certamente saberão te apreciar!" A missão deles é nos animar. Eles tentam nos manter sempre acima da linha.

Sabe o que no fundo isso significa? Eles nos ajudam a sobreviver. Gostaria que você guardasse esta palavra na memória: sobreviver! Sobreviver significa ficar acima da linha. Muitas coisas que conceituamos e qualificamos como "viver" é, na realidade, "sobreviver"; ficar acima da linha, ficar em cima.

O que acontece entretanto quando se chega ao final da vida? O que importa ao chegar ao fim está numa declaração que soa bem simples: quando se está morto, está morto! Tudo acabou; encerrou, sumiu, já passou. A gente jaz na terra, se decompõe e some.
Quando se morre, a gente está morto. Isso significa: não se pode fazer mais nada, ninguém mais fala sobre nós, nada mais se possui. Tudo aquilo que nos era importante, a gente perdeu. De repente, quando você pensa sobre isso, torna-se evidente que toda sua identidade, sua ideia sobre essa questão de quem você é, depende totalmente de circunstâncias externas sobre as quais você não tem nenhum controle.

Você diz: "eu sou o que eu faço" – mas você não tem isso sob o seu domínio! Muitas vezes você é usado para servir e é útil – mas então, de repente, a situação do mercado muda e você perde seu local de trabalho. Você não pode fazer nada. Você diz: "eu sou o que dizem sobre mim!"  As pessoas podem dizer coisas agradáveis ou vulgares, mas você não as tem sob o seu controle. Você diz: "eu sou o que eu tenho" – mas você não tem domínio total sobre o que você tem. Em algum dia pode acontecer uma tormenta, um desastre ou uma guerra, e você perde tudo.
Quando você diz "eu sou o que eu faço; o que os outros dizem de mim e o que eu possuo", então toda sua identidade,  sua ideia sobre quem você é, depende do mundo, lhe é afirmado de fora, do mundo. E quando você morre não sobra nada, porque você foi aquilo que você recebeu de fora.

Toda a sua vida foi uma tentativa de sobreviver – e no fim você inevitavelmente fracassa de qualquer modo. Raciocine por alguns momentos sobre o assunto: você consegue reconhecer que em sua vida acontece algo semelhante? Algo de tudo isso chega a atingir também a você? É mesmo assim, que seu desânimo e seu entusiasmo dependem de coisas que você não pode influenciar? Que o modo como você de forma fundamental se sente, depende de coisas que você não tem nas mãos? Que toda sua identidade depende da realidade externa? Se isso fosse assim, então seria enormemente trágico!

Quero dizer algo bem simples: o evangelho, Jesus, Deus diz: "isso está errado! Isso não é verdade! Esse modelo de pensar é uma grande, grande mentira. Mesmo que você faça de conta que isso seja verdade; mesmo que você viva assim, como se fosse verdade – é uma grande mentira!" Às vezes você precisa ter contato com essa mentira, para começar a descobrir quem você realmente é.



Quem é você, se não aquilo que faz? Quem é você, senão aquilo que as pessoas dizem a seu respeito? Quem é você, senão aquilo que você possui? O evangelho – mas também a tradição espiritual – é aqui excessivamente claro: o centro da mensagem cristã é muito simples: você é o amado de Deus! Você é o amado! Isso permanece como realidade bem acima dos dados ou de estar acima ou abaixo de sua linha de vida.

Quero que comece a ver como pode descobrir essa verdade para si. Que você possa dizer: "eu quero agarrar para mim mesmo essa verdade, que eu sou o amado de Deus." Pense durante um momento em Jesus. Quando Jesus foi batizado, ele saiu das águas e uma voz disse: "Este é o meu Filho querido, que me dá muita alegria!" Tu és o amado de Deus! E essa voz acompanhava e dirigia tudo o que Jesus dizia e fazia. Onde quer que fosse, onde quer que falasse, ele sabia que lá estava a voz que o denominava "amado". As pessoas o amavam e odiavam, elas o aplaudiram e o crucificaram, eles cuspiam nele e lhe davam tapinhas nas costas. Em tudo o que acontecia, ele sempre dizia: "eu sou o amado". Essa é a verdade – não importa o que se diga ou se faça. Isso lhe possibilitava viver sua vida com toda fidelidade diante de Deus. Sempre, a todo momento, agarrar-se a essa verdade; sempre, outra vez, escutar a voz que diz: "você é meu amado, você me dá muita alegria!"

O que é oração? Orar significa ouvir a voz que me chama "amado". Essa voz diz: "tu és minha filha amada. Tu és o meu filho amado." Jesus escutava essa voz. Você se lembra de que o mesmo espírito que sobreveio a Jesus no Jordão o levou ao deserto para que fosse tentado? E como foi tentado por Satanás? Quando este disse: "Demonstra que tu és o amado! Transforma pedras em pão! Mostra que sabes algo! Salta do pináculo do templo, para que todos te aclamem e os anjos possam te suster! Para que as pessoas te honrem e fiquem eufóricas a teu respeito. Ajoelha-te diante de mim e eu te recompensarei grandemente, para que tenhas grandes posses. Demonstra que tu mereces ser amado! Demonstra ao fazer algo. Demonstra tendo boa fama. Demonstra tendo grandes posses. "E Jesus disse: "Não! Não, não, não! Porque eu não sou nada disso. Eu sou o amado! É esse que eu sou. E eu sou o amado antes mesmo de eu fazer algo, antes de as pessoas falarem de mim, antes de eu ter a posse de qualquer coisa."

Quero que você dê esse grande salto interior, da mesma forma que Jesus disse sobre si mesmo. Ele quer que você diga a mesma coisa a seu próprio respeito. Jesus quer que você saiba que é tão amado por Deus como ele o foi. Jesus diz: "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei. E vos amei tanto como o Pai amou a mim."  Tanto para você como para mim a questão central da vida, sobre a qual se baseia toda a nossa liberdade, é: "você crê que é o amado?"Ou você diz: "eu sou uma pessoa insignificante que precisa demonstrar que está OK." Você crê que é ilimitadamente amado por Deus, ou você diz: "Bem, eu devo estar seguro de que as pessoas falem bem de mim, caso contrário, não consigo nada na vida!" Você crê que é muito amado estando sempre enraizado profunda – e seguramente no amor de Deus – seja lá o que for que as pessoas digam, ou o que se faça ou se possua? Essa é a fonte de onde vem sua liberdade – é dali que ela realmente vem. É isso que torna possível você se levantar e confiar que pode modificar o mundo – porque você não depende mais das influências deste mundo.

É precisamente isto que o mundo quer: que você tenha o sentimento de que é preciso provar que você é precioso. E quanto mais o mundo no qual você vive o aprisionar nessa ideia, tanto menos livre você será. Quanto mais dinheiro você precisar ganhar, quanto mais coisas precisar fazer, quanto mais tempo precisar doar, tanto mais esgotado você ficará – e você não estará realmente livre.

Por favor, escute com atenção durante um momento. Quero que você escute a voz que o chama de amado. Eu tomo algumas palavras da Bíblia que talvez você já tenha ouvido. Escute bem e permita que essas palavras cheguem ao seu coração:

"Tu és minha filha amada/Tu és meu filho amado. Eu te amo com um amor eterno. Eu te vi antes de teres nascido – eu já te amava. Ainda antes que pudesses falar e antes que tua mãe pudesse tocar-te, eu te chamei. Eu te formei nas profundezas da terra. Eu te formei no corpo de tua mãe. Tu és meu e eu sou teu. Tu és aquele que pertence a mim e eu quero pertencer a ti. No meu abraço tu estás seguro, independente do que possa acontecer. Tu és precioso a meus olhos. Tu és tão precioso como a luz em meus olhos. Tu és minha criança, tu és meu filho, tu és minha filha. Tu pertences a mim e sempre fazes parte de meus pensamentos. Tu estás sempre em meu coração. Eu nunca, jamais te deixarei só. Eu perseverarei na verdade de que tu és meu amado, e eu estou contigo por onde quer que andares e o que quer que tu fizeres."

Se essas frases são só pensamentos, que apenas estão em sua cabeça, então isso não o levará muito longe. Será uma doce e romântica representação que não causa muito efeito. Mas se isso repentinamente o atingir bem no meio do coração, quando você experimentar de vez, bem no centro do seu interior, que é isso mesmo que você é, então isso transforma tudo. Tudo se modifica ao seu redor. Toda sua vida se tornará a vida de alguém amado. A sua vida toda se tornará uma vida em que tudo a seu redor começa a falar uma nova linguagem. Se tão somente você ouviu e ainda se permite ouvir.

Gostaria apenas de dizer tudo isso de modo bem simples, já que se trata de coisas as mais difíceis com que você e eu entramos em contato. Porque a voz que  diz essas coisas para a gente não é muita poderosa. Você conhece a história de Elias? Ele queria ouvir a voz de Deus, mas Deus não esteve presente na tormenta, nem no terremoto; ele não esteve no fogo – ele falava com uma voz baixinha e suave.

A voz que te chama de amado não grita com você. É uma voz muito suave. Ela ecoa ao lado das vozes fortes desse mundo, que nos chamam constantemente: "busque a sua afirmação! dê provas! dê provas! Por isso é tão difícil permanecermos em contato com essa verdade. Mas é o que precisamos!

Quero te mostrar que o que acabei de dizer é muito, muito importante para o seu bem-estar mental e espiritual; porque você tem um coração que foi criado com um desejo de ser amado sem limites. Uma pessoa poderia jamais satisfazer a esse desejo. Apenas aquele que criou esse coração pode satisfazer esse anseio. Agostinho disse: "meu coração está inquieto até que descanse em ti." Nossos corações são inquietos. Nunca, jamais estão satisfeitos com o amor que o mundo pode oferecer.

Isso nos leva a um ponto muito mais delicado que quero abordar brevemente: o amor humano, o amor de pai e mãe, o amor do namorado, o amor do cônjuge, o amor do professor, o amor da igreja: esse amor sempre é imperfeito – e por isso ele também pode estar sempre ferindo.
Pense em seus pais. Você os amou? Sim, você os amou. Mas você também os feriu. Pense nos professores de sua escola. Você os amou? Sim, você os amou. Mas você também os feriu. Pense em seus filhos. Você os ama? Sim, você os ama. Mas você também permite que eles sofram. Pense em sua igreja. A igreja o ama? Sim, ela te ama. Mas tudo isso também pode acontecer de forma bem difícil. Cada vez que você tiver contato com o amor humano, você também terá contato com feridas.

Alguma vez você parou para pensar no que aconteceu quando era criança? Você diz: "era maravilhoso, mas o meu pai... pois é, ele na verdade tentava me amar, mas ele era muito autoritário. Ele não me compreendia. Minha mãe me amava, sem dúvida, mas ela era muito medrosa e sempre tão super-protetora. Por isso eu não era realmente livre." Você descobrirá que o amor em sua vida nunca foi particularmente perfeito. E quando você amar alguém outro, você descobrirá que se pode amar as  pessoas – mas algum dia elas nos dizem que as coisas que a gente fez não foram assim tão boas. Algum dia a gente vai ouvir: "Sim, mas você não me amou de um jeito certo." Quando se é pai, mãe ou parceiro, no fim seremos criticados porque não amamos o suficiente.

Assim é neste mundo. É um mundo no qual somos pobres e imperfeitos amantes. E constantemente precisamos lutar contra a tentação de estar deprimidos, desiludidos, aborrecidos, cheios de rancor e de pensamentos de vingança por causa disso. Queremos modificar essa situação. Sempre queremos achar um a quem de fato poderemos amar; um parceiro, amado, amigo. Mas não conseguimos. Nós queremos amor, mas ele nos escapa. E às vezes queremos tanto que nosso amor se torna violento antes mesmo que o notemos. Nós dizemos: "Me ame! Me ame! Me ame!" E antes que se dê conta, a gente está estrangulando a garganta do outro. E se o outro diz que desse jeito ele não pode me amar, então nós dizemos: "Mas eu sou tão só! Preciso de alguém que me ame!"
...
Por isso Jesus veio. Para nos ensinar a não-violência. Como? Ao deixar que percebamos que o amor de nosso pai, nossa mãe, nosso irmão e nossa irmã é meramente um pequeno, limitado e fraco reflexo daquele amor ilimitado que já existia muito antes de nosso nascimento, e ainda existirá para muito além do nosso tempo.

Só é possível viver neste mundo quando não se espera de pessoas aquilo que só Deus pode dar. Só é possível ser um pacificador quando se está feliz com o amor limitado deste mundo. Mas só é possível ser feliz com o amor limitado deste mundo quando de qualquer modo se aperceber – porque nos foi revelado – que existe de fato o amor incondicional pelo qual nosso coração anseia. E que ele ficará diretamente no centro do nosso ser, se tão somente se estiver disposto a ouvi-lo. Quando tão simplesmente se ficar atento e não correr a esmo para encontrá-lo em qualquer lugar onde não se pode o achar.

É um ato inacreditável de fé o dizer: "Eu sou o amado, e por isso quero estar pronto a te perdoar porque você me ama – e nisso me fere. E quero ser grato por seu amor – mesmo que seja pouco". Você sabe o quanto é difícil para nós perdoar – especialmente porque somos tão carentes. Conversei com muitas pessoas a respeito de suas vidas, sobre suas experiências de não terem sido amadas adequadamente. Esperamos através dessa elaboração conseguir compreensão e cicatrização das nossas feridas, e isso é muito importante. Mas mesmo obtendo muito entendimento, isso não nos levará à morada da paz, se não chegarmos, além do entendimento, à aceitação profunda e íntima da verdade de que somos os Amados de Deus. A partir desta posição é que poderemos viver.

Se você me ofende e eu me sinto magoado, então desejo é te repelir e pagar na mesma moeda. Mas se me conscientizar de que sou amado e crer nisso, posso reagir bem diferente – e pouco a pouco, você também. Este é o poderoso segredo do amor de Deus: Jesus quer que a voz que ele ouviu se torne também a voz que você ouça: "Você é meu amado! Você pode descansar na minha alegria!"

Para finalizar, ainda algo muito simples: se você crer que isso é verdade, que isso é aquilo que você realmente é: amado... então você pode viver sua vida a partir dessa verdade. E pouco a pouco essa verdade romperá o ciclo de sobe e desce, para cima e para baixo, baseado em realizações exteriores. Assim você não será mais dependente de sua utilidade momentânea, das vozes a seu respeito ou daquilo que possui.

Uma vez decidido a iniciar um viver com a verdade de ser amado, isso se expande, cria círculos de abrangência e atinge justamente os altos e baixos de sua vida. E tudo o que acontece, então se transforma. Todas as desilusões de sua vida não ameaçam mais sua identidade, mas sim proporcionam oportunidades de dizer "sim" para aquele que pergunta: "você também me ama?"

Próximo do final da vida, Jesus perguntou a Pedro: "Pedro, filho de João, você me ama mais do que os outros? Pedro, você me ama?" E então uma terceira vez: "Você me ama?" De repente vemos Deus, que durante toda a eternidade tem dito: "eu te amo com infinito amor", perguntar a você e a mim: "você também me ama?" Quando você ouvir essa pergunta, de repente reconhecerá que todas as experiências de sua vida – tanto as dolorosas como as felizes – são experiências que lhe dão a possibilidade de responder: "Sim! Sim, eu também te amo!"

Este é o segredo de Deus: ele nos ama, mas quer uma resposta. Deus nos ama, mas ele diz: "eu sou um amante ciumento, eu quero que você também me ame de todo o coração, com toda a sua vida, com todo o seu ser. Você me ama? Eu, Deus, desejo que você diga sim."
E se você perder alguém, pode no meio da sua dor sempre ainda dizer "sim"? Se muitas pessoas falam contra você, você então dirá: "Sim, Senhor, eu quero amar-te justamente agora, quando me sinto tão rejeitado"?  Quando algum dia perder a saúde, poderá dizer de toda maneira: "é doloroso, é horrível, eu não quero isso, mas eu quero dizer – que também nisso há uma possibilidade para mim de dizer 'sim' para ti, que me amaste tanto"?

E, de repente, esta vida que até aqui era um alinhamento de altos e baixos, uma luta contínua pela sobrevivência, torna-se realmente vida. Viver em direção ao lugar onde se possa de fato dizer "sim" de verdade – e que este sim não continue por mais tempo significando o fim de tudo. Jesus não disse a seus discípulos: "vocês não sabiam que eu deveria sofrer para ser glorificado? Não sabiam que todas as coisas que aconteceram em minha vida – e que acontecerão em sua vida também – são caminhos para pedir a vocês o 'sim' por meu amor? Para que vocês e eu possamos ser um? Para que vocês e eu possamos viver a mais perfeita comunhão, pela qual o coração de vocês tanto anseia." Este é o sentido da vida; é isto o que importa: uma breve oportunidade para nós dizermos "sim" para esse amor..!



sexta-feira, 7 de outubro de 2016

TARDE TE AMEI - Santo Agostinho, Confissões, X Livro, 38



Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova!

Tarde demais eu te amei!
Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava do lado de fora!
Eu, disforme, lançava-me sobre as belas formas das tuas criaturas.
Estavas comigo, mas eu não estava contigo. Retinham-me longe de ti as tuas criaturas, que não existiriam se em ti não existissem.
Tu me chamaste, e teu grito rompeu a minha surdez.
Fulguraste e brilhaste e tua luz afugentou a minha cegueira.
Espargiste tua fragrância e, respirando-a, suspirei por ti.
Eu te saboreei, e agora tenho fome e sede de ti.
Tu me tocaste, e agora ardo no desejo de tua paz.




https://www.youtube.com/watch?v=Ks-fF5Frb6Y