O escritor de Eclesiastes se deu
conta de que Deus colocou a eternidade dentro de nossos corações.(1) Agostinho
observou que Deus fez o homem para Si mesmo, e que nossos corações não encontram descanso até
que descansem Nele. Esse anseio eterno forma a base da devoção.
Somos criados com anseios infinitos.
Podemos tentar ocultá-los e escondê-los atrás de valores menores tais como a
apreciação pelo belo ou o desejo pela verdade e pela autenticidade. Por outro
lado, podemos nos desculpar pelos ideais adolescentes, pelo otimismo incurável
ou pelo romantismo indulgente conectado aos nossos anseios. Mas uma vez tendo
sido despertados para o céu como uma possibilidade, nada mais trará satisfação
senão conhecer mais sobre ele. Somos então como peregrinos que finalmente
descobriram onde está localizado o Santo Graal. Ou talvez sejamos como crianças
na escola. O mistério da matemática está diante de nós ao tentarmos entender os
rudimentos da álgebra e da geometria, e temos de crer no entusiasmo do
professor com o fato de que elas possuem uma beleza intrínseca.
Mas adiante descobrimos que os
desejos de Deus não são diferentes de nossos próprios desejos mais verdadeiros
e íntimos. No entanto, a conexão entre eles às vezes parece terrivelmente
comprometida pelo egoísmo e pela vontade própria. Refletimos e começamos a observar
que a forma mais profunda de saudade – a de ser amado, ou ser compreendido, ou
de estar religado ao Infinito para além de todo o universo – não é “ilusão
neurótica”, de acordo com C.S. Lewis. Ao contrário, ela é “o indicador mais
verdadeiro de nossa real situação”.(2)
Em Cristo nós também descobrimos que
não é a pessoalidade de Deus que é vaga e intangível. São as nossas próprias
personalidades que são incoerentes, fragmentadas e inadequadas. Assim, a
realidade da oração em nome de Jesus é a busca por uma personalidade mais plena
e rica, a personalidade que a maioria de nós profundamente anseia ter.
À luz disso, vemos a leitura
devocional não apenas como uma opção piedosa de leitura comparada a um bom
romance policial ou mesmo a uma obra séria. Ela se relaciona à natureza de um
despertamento, como o que o filho pródigo teve enquanto alimentava porcos.
Nossa existência animal não é boa o suficiente quando descobrimos interiormente
que temos um Pai que é rei e que fomos feitos à imagem e semelhança de Deus.
... Nós de fato percebemos que a vida
consiste em um número de despertamentos progressivos. Quando estudamos com
seriedade pela primeira vez, ficamos entusiasmados com o despertamento de nossa
mente para a atividade de analisar e compreender o nosso mundo. Nós despertamos
de novo na experiência de assumir a responsabilidade de nossas vidas quando
temos de decidir sobre atitudes e opções de importância... Mas é o despertamento para o
amor de Deus que transcende todas as outras formas de consciência humana.
... Precisamos mais uma vez nos
aquietar e ver a Deus. E então começaremos novamente a viver mais como um filho
de Deus do que como um empreendedor diante dos homens. Emoções profundas serão revividas. Memórias
começarão a ser curadas. A imaginação será direcionada. E muitas e novas
possibilidades se abrirão a partir dos becos sem saída das ruas, para nos
mostrar paisagens de amor e alegria que nunca imaginamos poder visualizar. A
esperança sucederá o desespero. A amizade substituirá a alienação. Acordaremos
de manhã e descobriremos que estamos verdadeiramente livres para nos apaixonar
por Deus.
Podemos então começar a compreender
aquilo que João Calvino quis dizer quando chamou a fé de um firme
reconhecimento da benevolência de Deus, que está selado no coração.
(1) Eclesiastes
3:11
(2) C.S.Lewis,
Peso de Glória. São Paulo, SP:
Edições Vida Nova, 1993.
[Texto
de James M. Houston. “Leitura devocional – um grande despertamento”, extraído
de Teresa de Ávila. Vida de oração:
para quem deseja conhecer Deus na intimidade. Brasília, DF: Palavra, 2007. pp.274-276.]