O ritmo dos monges foi criado por
uma Regra antiga, desde sempre ligada a um cosmo litúrgico, que determina
o dia, o ano e todo o decurso da vida monástica.
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A maneira como a Bíblia classifica
o tempo caracteriza da mesma forma o modo como os monges convivem com esse
fato. A tradição monástica conhece o tempo certo, o tempo da graça, o
tempo agradável e muito bem-vindo, em que Deus opera sua obra dentro de nós.
Por isso os monges sempre interrompem suas tarefas diárias com os tempos
de oração que eles chamam de "as Horas", as quais lembram a hora
em que Deus glorifica seu Filho e em que ele deixa resplandecer sua glória
também para os monges. Pois a liturgia é o lugar onde o céu e a terra se
tocam, onde o céu clareia acima dos orantes.
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No tempo de são Bento, as
"Horas" do dia eram sete, e havia a vigília noturna. Hoje, reúnem-se
apenas cinco vezes por dia para a oração em comum. O ritmo do
trabalho no tempo moderno nos exige também seu tributo. Porém, queremos
combinar o ritmo de antigamente e a sua interpretação do tempo com as
exigências do nosso tempo, sem nos deixarmos tiranizar pelo ritmo moderno.
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Os momentos da oração nos lembram
de que cada Hora é uma hora querida, um tempo amado, em que podemos nos
encontrar com o amor divino em suas múltiplas formas. Pois os primeiros
cristãos relacionaram cada hora com um mistério diferente da vida de
Jesus.
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Hoje em dia, médicos e psicólogos
concordam que o ritmo é um componente essencial da existência humana. O ser
humano tem um ritmo temporal interno cujo corpo não se deixa manipular de qualquer
jeito. Sentimos isso da melhor maneira quando viajamos de avião para um país
com fuso horário diferente; ficamos meio perturbados com a nossa percepção do
tempo. Temos de nos acostumar primeiro com o tempo novo. Ao passar por cima
dessa fase de habituação, muitas pessoas ficam doentes.
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A palavra "ritmo" vem do
grego rythmizo, que significa pôr alguma
coisa em ordem e harmonia, arrumá-la de modo harmonioso.
Desde o útero materno, o ser humano
está exposto às batidas do coração da mãe; desde o momento da fecundação, ritmo
é um elemento essencial para a vida.
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A vida humana obedece a um ritmo. Em
uma palestra, Gerhard Vescovi, médico em uma estação termal, mostrou que a
ordem do dia dos beneditinos corresponde exatamente a esse
"biorritmo" humano. Cada ser humano tem em si um biorritmo próprio,
individual. Em certas horas, ele está claramente acordado, em outras, sua
atenção desvia-se.
Muitos tentam impor à própria vida um
outro ritmo, que não corresponde à sua natureza. Mantêm-se acordados com
café e cigarros e, com isso, prejudicam a saúde.
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Quem não segue o seu ritmo
interno não faz nenhum bem a si mesmo.
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Mais acertado seria aperceber-se do ritmo
interno do próprio corpo e do cosmo inteiro, e nisso se engajar. Aí vivemos
saudavelmente, em harmonia conosco mesmos, e de acordo com a nossa
verdadeira essência. Quando me entrego ao ritmo do tempo, não sinto o
tempo como um tirano, ao qual devo servir como escravo, mas como dádiva, a
meu serviço, que me torna possível perceber o mistério da vida e
experimentar também o tempo como um espaço no qual me sinto à vontade.
João Crisóstomo, padre da Igreja do
século IV, diz que o canto dos salmos ritmiza a alma dos monges. Para ele,
isso significa que o ritmo do canto tem um efeito salutar sobre a alma, a
qual é sadia quando não é caótica, mas corresponde a seu ritmo interno.
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Além de o ritmo ser salutar para o
indivíduo, tem uma função social. O ritmo do dia reúne a comunidade para oração
e trabalho, refeição e lazer.
Hoje em dia, é um sofrimento para
muitas famílias que cada membro viva um ritmo diferente. Não existem
mais "horas de refeição", pois cada um apenas "mata"
sua fome. Não se tem mais tempo para todos se encontrarem, a fim de
comerem juntos. Com isso, perde-se a cultura da refeição, como os povos a
desenvolveram desde os tempos antigos.
O ritmo sempre cria espaços
livres durante o dia.
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Não foi são Bento que inventou o
ritmo do convento como uma novidade. Antes dele já havia monges que viviam
um dia claramente estruturado. Para ele, foi muito importante criar uma
ordem do dia que correspondesse ao ritmo interno das pessoas, de acordo
com a Regra: "Sic omnia
temperet"(1), e, assim, colocar tudo em ordem.
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Para Bento, é muito importante
regular o dia dos monges de maneira que corresponda ao ritmo interno da
alma. Com uma ordem do dia eficaz e saudável, ele espera que haja ordem e
saúde na alma do monge.
Para ele, a ordem do tempo é o pressuposto
para que, na escola do Senhor, os monges tenham um coração bem generoso e
façam seu serviço com alegria, seu serviço a Deus e à humanidade.
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Um aspecto essencial do ritmo sadio
consiste no fato de que o tempo deve ter início e fim.
(1) “Sic
omnia temperet” - latim,
significa: “Assim, para regular tudo”.
Extraído de Grün, Anselm. No
Ritmo dos Monges: Convivência com o tempo, um bem valioso. Edições
Paulinas, 2006. Título Original em alemão: IM ZEITMASS DER MÖNCHE. p.
3-41.