sábado, 31 de agosto de 2019

O mistério da vida e como corresponder a ele

"Você contemplou e imaginou sua vida na presença da morte. Percebeu o que realmente conta na vida. Não permita que pessoa alguma tenha poder sobre você, nem o trabalho, o dinheiro, as condições da vida.
Você está nas mãos de Deus e a ele pertence! Quando crê nisso não só com a cabeça, mas também com o coração, você se torna verdadeiramente livre. Então não segue a opinião dos outros, mas está livre para viver aquilo que está em você e que corresponde ao seu verdadeiro ser. Assim, você está livre também do medo que o chateia e do qual gostaria de se libertar. Você está, com seu medo, nas mãos de Deus. Por isso, o medo pode existir sem ter poder sobre você, pois Deus o segura e o toca. 
Não se torne dependente de nada que lhe seja exterior, viva na liberdade que só Deus pode lhe dar! Muitas vezes, você permite ser determinado por algo exterior. Você frequentemente 'é vivido' pelos outros, em vez de viver por si mesmo. Procure viver cada instante conscientemente! Assim descobrirá o mistério da vida e vislumbrará, em sua vida, a vida de Deus, que deseja se expressar em você".

O mais importante não é você se esgotar, trabalhar e produzir a todo vapor. Ao contrário, o mais importante é se tornar transparente para Deus, para seu amor e sua bondade, para sua misericórdia e sua abertura.
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Sua vida é única e, por isso, importante para o mundo.
... a cada dia, por um breve instante, torne-se consciente de que o amor de Deus o penetra e o invade a cada inspiração, para poder sair por este mundo afora a cada expiração. Quando você crê nisso, percebe o verdadeiro mistério da vida. Está livre da pressão, do estresse. Sente que é precioso... E, através de você, o mundo terá um pouco mais de luz e de calor, ficará um pouco mais humano e habitável.


Extraído de Grün, Anselm. Se não houver amanhã. Campinas, SP: Verus, 2010.  
📷 Andréa Vieira (agosto,2019). 

terça-feira, 6 de agosto de 2019

O ritmo dos monges e a qualidade das horas


O ritmo dos monges foi criado por uma Regra antiga, desde sempre ligada a um cosmo litúrgico, que determina o dia, o ano e todo o decurso da vida monástica.
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A maneira como a Bíblia classifica o tempo caracteriza da mesma forma o modo como os monges convivem com esse fato. A tradição monástica conhece o tempo certo, o tempo da graça, o tempo agradável e muito bem-vindo, em que Deus opera sua obra dentro de nós. Por isso os monges sempre interrompem suas tarefas diárias com os tempos de oração que eles chamam de "as Horas", as quais lembram a hora em que Deus glorifica seu Filho e em que ele deixa resplandecer sua glória também para os monges. Pois a liturgia é o lugar onde o céu e a terra se tocam, onde o céu clareia acima dos orantes.
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No tempo de são Bento, as "Horas" do dia eram sete, e havia a vigília noturna. Hoje, reúnem-se apenas cinco vezes por dia para a oração em comum. O ritmo do trabalho no tempo moderno nos exige também seu tributo. Porém, queremos combinar o ritmo de antigamente e a sua interpretação do tempo com as exigências do nosso tempo, sem nos deixarmos tiranizar pelo ritmo moderno.
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Os momentos da oração nos lembram de que cada Hora é uma hora querida, um tempo amado, em que podemos nos encontrar com o amor divino em suas múltiplas formas. Pois os primeiros cristãos relacionaram cada hora com um mistério diferente da vida de Jesus.
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Hoje em dia, médicos e psicólogos concordam que o ritmo é um componente essencial da existência humana. O ser humano tem um ritmo temporal interno cujo corpo não se deixa manipular de qualquer jeito. Sentimos isso da melhor maneira quando viajamos de avião para um país com fuso horário diferente; ficamos meio perturbados com a nossa percepção do tempo. Temos de nos acostumar primeiro com o tempo novo. Ao passar por cima dessa fase de habituação, muitas pessoas ficam doentes.
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A palavra "ritmo" vem do grego rythmizo, que significa pôr alguma coisa em ordem e harmonia, arrumá-la de modo harmonioso.
Desde o útero materno, o ser humano está exposto às batidas do coração da mãe; desde o momento da fecundação, ritmo é um elemento essencial para a vida.
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A vida humana obedece a um ritmo. Em uma palestra, Gerhard Vescovi, médico em uma estação termal, mostrou que a ordem do dia dos beneditinos corresponde exatamente a esse "biorritmo" humano. Cada ser humano tem em si um biorritmo próprio, individual. Em certas horas, ele está claramente acordado, em outras, sua atenção desvia-se.
Muitos tentam impor à própria vida um outro ritmo, que não corresponde à sua natureza. Mantêm-se acordados com café e cigarros e, com isso, prejudicam a saúde.
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Quem não segue o seu ritmo interno não faz nenhum bem a si mesmo.
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Mais acertado seria aperceber-se do ritmo interno do próprio corpo e do cosmo inteiro, e nisso se engajar. Aí vivemos saudavelmente, em harmonia conosco mesmos, e de acordo com a nossa verdadeira essência. Quando me entrego ao ritmo do tempo, não sinto o tempo como um tirano, ao qual devo servir como escravo, mas como dádiva, a meu serviço, que me torna possível perceber o mistério da vida e experimentar também o tempo como um espaço no qual me sinto à vontade.
João Crisóstomo, padre da Igreja do século IV, diz que o canto dos salmos ritmiza a alma dos monges. Para ele, isso significa que o ritmo do canto tem um efeito salutar sobre a alma, a qual é sadia quando não é caótica, mas corresponde a seu ritmo interno.
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Além de o ritmo ser salutar para o indivíduo, tem uma função social. O ritmo do dia reúne a comunidade para oração e trabalho, refeição e lazer. 
Hoje em dia, é um sofrimento para muitas famílias que cada membro viva um ritmo diferente. Não existem mais "horas de refeição", pois cada um apenas "mata" sua fome. Não se tem mais tempo para todos se encontrarem, a fim de comerem juntos. Com isso, perde-se a cultura da refeição, como os povos a desenvolveram desde os tempos antigos.
O ritmo sempre cria espaços livres durante o dia.
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Não foi são Bento que inventou o ritmo do convento como uma novidade. Antes dele já havia monges que viviam um dia claramente estruturado. Para ele, foi muito importante criar uma ordem do dia que correspondesse ao ritmo interno das pessoas, de acordo com a Regra: "Sic omnia temperet"(1), e, assim, colocar tudo em ordem.
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Para Bento, é muito importante regular o dia dos monges de maneira que corresponda ao ritmo interno da alma. Com uma ordem do dia eficaz e saudável, ele espera que haja ordem e saúde na alma do monge.
Para ele, a ordem do tempo é o pressuposto para que, na escola do Senhor, os monges tenham um coração bem generoso e façam seu serviço com alegria, seu serviço a Deus e à humanidade.
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Um aspecto essencial do ritmo sadio consiste no fato de que o tempo deve ter início e fim.


 (1)  “Sic omnia temperet” - latim, significa: “Assim, para regular tudo”.


Extraído de Grün, Anselm. No Ritmo dos Monges: Convivência com o tempo, um bem valioso. Edições Paulinas, 2006. Título Original em alemão: IM ZEITMASS DER MÖNCHE. p. 3-41.